A chuva caía incessante, e cada gota gelada que atingia o rosto de João Pedro parecia intensificar o frio que sentia em seu coração. Acompanhado pelo pescador e pela mulher, ele caminhava lentamente pelo parque. O lugar parecia infinitamente maior do que ele se lembrava, e João não sabia se essa sensação era resultado da crescente ansiedade que dominava seu peito ou se o parque havia realmente se transformado em um labirinto gigantesco. Cada passo parecia amplificar sua inquietação, até que, subitamente, esses sentimentos se dissiparam. João estava tão absorto em seus próprios pensamentos que não percebeu quando o pescador desapareceu. Em vez disso, tudo o que podia ver era a figura esguia da mulher e a estrutura sombria e abandonada que um dia fora a casa de espelhos do parque.
Enquanto isso, do outro lado do vasto oceano, Theodore estava envolto em uma realidade completamente diferente. Após uma longa e intrigante conversa com o capitão e um sábio símio, ele os acompanhava até a cidade de Solara. Ao contrário de Corália, Solara exibia um clima quente e acolhedor, uma brisa morna que envolvia a cidade e contrastava com a frieza de seu destino anterior. O jovem Theodore, embora maravilhado com as novas paisagens e sons ao seu redor, nunca esquecia o motivo de sua presença na ilha. A sombra da apreensão o seguia constantemente, com pensamentos recorrentes sobre o que poderia ter acontecido com João nas garras da cruel megera.
O silêncio do grupo foi quebrado pela voz firme do capitão: — Você consegue andar pela cidade desse jeito? — perguntou, olhando para o símio.
O macaco respondeu com uma confiança mesclada a uma certa resignação: — Ah, até consigo, mas prefiro evitar certos olhares indesejados — disse, enquanto se preparava para um procedimento desconcertante.
O símio afastou-se um pouco da trilha e se escondeu entre as árvores. Um momento depois, gritos agudos e guinchos estridentes cortaram o ar, assustando os pássaros que, em pânico, levantaram voo, suas asas batendo freneticamente enquanto folhas e galhos se agitavam num caos ecoante. Quando o símio reapareceu, agora com uma forma mais humana, embora seus movimentos ainda refletissem sua natureza primata, Theodore ficou horrorizado. Os gritos de sofrimento do macaco ainda ecoavam na floresta, um lembrete da transformação dolorosa que ele havia testemunhado.
O Capitão, tentando amenizar a tensão, deu um tapinha nas costas de Theodore e comentou: — Sempre que o vejo, ele acaba tendo que se transformar em algum momento. Um homem-macaco no centro de Solara seria um espetáculo curioso, não acha? Ele sofre, mas é necessário. Quem mandou nascer macaco, né?
— Vai se lascar, Vitô — respondeu o macaco, agora em sua forma humana, com um tom de irritação mal contida.
— Vitô? — perguntou Theodore, intrigado com o nome.
O Capitão, com uma expressão irritada, retorquiu: — Oh, seu primata sujo de merda! Já não te falei para não me chamar pelo nome na frente dos outros? Tenho que manter a autoridade, inclusive diante do garoto. — Voltando-se para Theodore, ele acrescentou — Inclusive, o nome esse macaco de bosta aí é Ítalo.
— Primata sujo é teu pai, rapaz. Me respeite! — retrucou Ítalo, com a voz carregada de desprezo.
Os dois continuaram a discutir enquanto seguiam pela trilha em direção à cidade, suas vozes misturando-se ao som do ambiente. Theodore, ainda confuso com o que havia acabado de presenciar, os acompanhava em silêncio, absorvendo cada detalhe dessa nova e estranha realidade.
A chegada à cidade de Solara oferecia um misto de alívio e uma inquietação palpável, como um prelúdio de um perigo iminente. As ruas, outrora vibrantes e pulsantes de vida, agora estavam desertas, ressoando apenas o sibilo do vento e o som distante das folhas dançando. A fraca iluminação dos postes de luz projetava sombras trêmulas nas construções, dando ao cenário uma atmosfera desconcertante. Enquanto Theodore, o Sábio Símio em sua forma humana, e o Capitão Lorde Bigode adentravam a via principal, os sinais de devastação tornaram-se mais evidentes: vitrais quebrados, detritos espalhados por todos os cantos, e um silêncio pesado que parecia mais um aviso sombrio do que uma calmaria. Os três mantiveram-se em estado de alerta. Lorde Bigode, com seu instinto de capitão inato, fixou seu olhar no horizonte, procurando qualquer indício da tripulação desaparecida.
— Isso não me cheira bem — murmurou ele, sua mão pousando automaticamente no cabo da espada, como um reflexo.
— Concordo — replicou Ítalo, enquanto fungava o ar, tentando captar algum cheiro peculiar.
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Corália
AdventureDois amigos se veem perdidos em lados opostos de um mundo do qual eles jamais imaginariam que pudesse existir.