Gehenna

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"Cada uma das faces tem o purgatório que merece.
 Aquele que fora o destruidor, que fora o flagelo.
 Que trouxera sua maldição para a era dos primevos.
 Ele terá de viver sua eternidade em sua própria obra."


O sono do jovem Garou era pesado, principalmente por conta de todas as suas feridas, algumas causadas por prata e outras meramente arranhões de armas de fogo. Seu corpo clamava por descanso após a carnificina que ocorrera em seu quarto na última noite.

Mas mesmo cansado, seus instintos de fera nunca falham a notar as mudanças em sua volta e logo começou a sentir uma miríade de cheiros desconhecidos e não naturais do lugar em que estava, uma mudança muito súbita, que de praxe o fizera acordar de imediato. Em alerta, Will abriu seus olhos apenas para ficar boquiaberto, terror e surpresa lhe cobrindo a face. Ele se viu deitado e ao encarar o céu, pôde perceber que as nuvens noturnas estavam iluminadas em um tom alaranjado, Luna não podia ser vista e nem sentida, os cheiros de fogo, carne carbonizada, cabelo queimado e mais uma centena que não lhe eram familiares foram sentidos, todos de imediato, o deixando moderadamente atordoado por alguns segundos.

Mas seus instintos ferinos o diziam que isto não era tudo, que não passavam de uma leve preocupação diante da ameaça real, logo um medo visceral tomou conta de seu corpo, um terror instintivo. Ele levantou seu tronco de imediato, se sentando, deixando de observar o céu infernal e pôde perceber que estava na sacada de um prédio, com corrimões de metal em suas extremidades, que passavam um falso ar de segurança. O chão era de concreto, sem adornos. A luz alaranjada que manchava as nuvens era agora mais nítida e no horizonte ele pôde ver que estava em uma cidade consumida pelas chamas, só podia escutar o crepitar do fogo, o grito surdo das construções desabando.

Perante de si, após milésimos de choque. Ele notou a silhueta de um homem alto, de ombros largos, os detalhes pareciam difíceis de lhe serem tirados, evidenciando que este ser parecia desconexo neste purgatório, mas após encará-lo com intensidade redobrada, Will passou a enxergá-lo com mais clareza. Um sobretudo preto lhe caia sobre os ombros, estava com grandes rasgos que subiam de sua base até a cintura do homem. Estes rasgos revelavam calças largas e um par de sapatos amarronzado, refinados demais para o olhar leigo do Garou. Em sua cabeça, caíam-lhe seus cabelos esbranquiçados, iam até seus ombros.

Subia um leve filete de fumaça acima da cabeça do estranho, -"Tabaco"- o Garou percebera de imediato com certa estranheza diante da situação. Seu corpo lhe dizia para correr, a fera dentro de si o dizia para correr.-"Mas um filho de Gaia não foge"- pensara Will consigo mesmo.

-Hmm, parece que tenho visitas- Caim diz com uma voz grave e levemente falha pelo desuso. -Espero que não se importe com a bagunça de minha morada.- O homem diz, agora se virando para vislumbrar seu visitante.

Will presta atenção em cada um dos movimentos do homem, o tempo parece não passar para ele, pois tamanho é seu terror, aquele ser, aquela criatura, ele está claramente ligas a frente de qualquer coisa que já vira. Sob seu olhar ele sente que não passa de um verme que rasteja pelo chão. Caim o observava, com seu par de olhos ferinos e avermelhados, 4 pequenas pedras simulando outros dois pares de olhos presentes em sua testa, seus lábios finos e rachados se franziram levemente em desgosto, a barba chefia e finamente cuidada lhe emoldurando o rosto.

Sob seu torço, o Garou pôde ver que o sobretudo estava aberto, expondo uma vestimenta refinada, como um terno para os olhos simplistas dele.

-Que foi, garoto?- O homem claramente parecia incomodado pelo silêncio de seu visitante.- Não te ensinaram a abanar o rabo quando vê alguém mais forte do que você?- Ele termina sua sentença caminhando a passos lentos em direção ao lobo e logo se agacha a sua frente, cuidadosamente colocando os cotovelos sobre as coxas , após isto, ele dá uma longa tragada em seu cigarro e solta toda a fumaça no rosto de Will.

Seus instintos, que estavam extremamente apurados serviram como uma faca de dois gumes diante da fumaça, fazendo o Garou ter uma crise de tosse. Despertando-o de seu estupor anterior.- Quem é você?- Ele pergunta, a voz fraquejando.- Onde... Onde eu estou? - Agora colocando confiança em sua voz, ele olha no fundo de seus olhos ferinos.

-Na Gehenna, meu jovem Garou, no fim do mundo, na maior de minhas obras.- O orgulho estava fortemente presente em sua voz e logo, ele se levantou. Com um movimento suave de sua mão direita as nuvens alaranjadas cobrindo o céu se abriram, desaparecendo para nunca mais serem vistas.

De trás das nuvens o céu era agora visível, as estrelas pareciam invisíveis e no centro do céu, Will viu uma realidade que ficaria para sempre marcada em sua alma, a lua estava enegrecida, com uma aureola avermelhada ao seu redor e estranhamente, de maneira absurda, estava sangrando. Este sangue estava escorrendo até sua base, descendo para o mundo em um fino filete escarlate, inundando-o com sua cor intoxicante, trazendo consigo as chamas que fazem o mundo arder.

Sem que ele percebe-se, o homem voltou a encara-lo, seus lábios formando um sorriso zombeteiro em sua face.-Tu perguntastes quem sou, não é?- Sua postura agora ereta, queixo alto, olhar de escárnio. -Sou o filho dos primeiros homens, pai da desgraça, senhor dos cainitas...- Agora sua presença pareceu se multiplicar, pois este fizera o uso de uma disciplina inata aos Toreadores.- Eu sou Caim.- Sua voz saiu  repleta de ferro em brasa, cravando e queimando este momento na memória do Garou. 

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⏰ Última atualização: Apr 25 ⏰

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