Depois de uma mãe morta, uma conexão em Orlando e várias horas de atraso por mau tempo, eu chego.
No Texas.
Assim que saio do avião rumo à ponte telescópica, sinto o ar do fim da tarde derretendo e fritando minha pele, como se eu fosse manteiga.
Vou caminhando, apática e desconsolada, acompanhando as placas até as esteiras de bagagem para encontrar o pai que fez metade de mim, mas que é um completo estranho.
Não tenho lembrança de nenhuma experiência negativa com ele. Na verdade, os períodos de verão que passei com meu pai são as únicas boas recordações que tenho de minha infância.
Meus sentimentos negativos em relação a ele vêm de todas as experiências que não vivenciei. Quanto mais vou crescendo, mais nítido fica o pouquíssimo esforço que ele fez para ser parte da minha vida. Às vezes penso o quanto eu seria diferente se tivesse passado mais tempo com ele do que com Janean
Será que eu teria me transformado no mesmo ser humano desconfiado e cético se tivesse vivido mais experiências boas do que ruins?
Talvez sim. Talvez não.
Às vezes acho que as personalidades são moldadas mais pelo estrago do que pela bondade.
A bondade não se entranha tão fundo na pele quanto o estrago. O estrago inflige uma marca tão profunda à alma, que fica impossível remover. A marca fica para sempre, e sinto que todo mundo é capaz de perceber isso só de olhar para mim.
As coisas poderiam ter sido diferentes para mim se a bondade e os estragos tivessem tido o mesmo peso em meu passado, mas infelizmente não foi assim. Eu podia contar nos dedos as demonstrações de bondade que cheguei a receber.
Já os estragos eu não conseguiria calcular nem usando as mãos de cada pessoa neste aeroporto.
Levei tempo até conquistar certa imunidade. Para erguer o muro que protege meu coração de gente como a minha mãe. De caras como
Dakota.Agora sou feita de aço. Pode vir, mundo. Não dá para estragar o impenetrável.
Ao dobrar a curva e ver meu pai pela vidraça do aeroporto, eu paro. Olho as pernas dele.
As duas
Faz duas semanas que me formei na escola, e embora certamente não esperasse que ele viesse à minha formatura, eu ainda guardava um fiozinho de esperança de que isso acontecesse. Uma semana antes, porém, ele me deixou um recado no trabalho, dizendo que tinha quebrado a perna e não conseguiria viajar até o Kentucky.
De onde estou vendo, nenhuma das pernas parece quebrada.
No mesmo instante agradeço por ser impenetrável pois, se eu não fosse, essa mentira decerto teria me causado um estrago.
Ele está parado junto à esteira de bagagens, sem nenhuma muleta por perto. Anda de um lado a outro sem mancar, sem demonstrar a menor dificuldade.
Não sou médica, mas acho que uma perna quebrada demora um pouquinho para ficar boa. E mesmo que fosse super-rápido, com certeza deixaria algumas limitações físicas.
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𝑨𝒕𝒆́ 𝒐 𝒗𝒆𝒓𝒂̃𝒐 𝒕𝒆𝒓𝒎𝒊𝒏𝒂𝒓-𝒎𝒊𝒐𝒕𝒆𝒍𝒂
Romance"Os dois parecem não ter nada em comum. Ela viveu uma vida sem dinheiro ou amor enquanto ele tem uma família rica e privilegiada. Mas no olhar dele vive uma tristeza que apenas quem também a carrega dentro de si consegue reconhecer. E isso os torna...