Adeus, Isabella

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Junho de 2023.

O sinal tocou exatamente às 7 horas. Parecia mais um dia normal no colégio, mas ninguém imaginaria o que teria acontecido na última madrugada enquanto todos dormiam. Bem, quase todos.

Estava sol, mas não estava calor, o que é uma ótima notícia, porque não havia dia mais desagradável do que aquele em que eu precisava sentir aromas que me causavam náuseas. Sexta-feira é o dia favorito da turma inteira porque as duas últimas aulas são de educação física e temos um professor que nos dá liberdade de escolher que tipo de atividade física queremos fazer. Temos um grupo que prefere jogar futebol, outro que prefere vôlei, alguns alunos preferem fazer fotossíntese e passar a aula tomando sol. É claro que isso é permitido, desde que ninguém vá expor essa atividade física extremamente poderosa que é não fazer nada.

Alguns alunos faltaram, mas isso também não fugia do nosso normal, provavelmente seja alguma jornada diferente onde precisam de 3 dias de folga antes de voltar para os estudos. Não se trata de ser preguiçoso e sim de ser paciente e fazer as coisas no seu tempo. Deixo claro que isso não é uma opinião minha e sim de minha colega de classe Isabella. Por falar na Isabella, era ela uma das que estavam ausentes neste dia que viria a se tornar um grande pesadelo.

- Eu acredito sim que o que consumimos é um reflexo de quem somos. Se você é apaixonada por todo esse conteúdo violento, é porque você em si tem esse desejo de ser violento. -Alane tinha esse desejo de se envolver completamente em debates fazendo afirmações- Escute, Ricardo, não é uma opinião minha, é um fato. Se você gosta de jogos de violência é porque você em si é um homem violento.

- Mas eu não mato nem mesmo uma aranha. -respondeu ele.

- Amigo, você não vai conseguir me convencer. Isso é uma desculpa que você está dando!

Alane era irredutível em suas falas. Claro que eu sempre achei que ela passava do ponto, Ricardo já havia argumentado que só gostava de jogar como uma forma de distração e que aquele jogo de tiro não é a sua vida, mas ela sempre foi assim e lá no fundo, já havíamos nos acostumado. A propósito, essa conversa surgiu durante a educação física, porque o jogo em questão estava sendo a atividade física que ele escolheu para o dia de hoje.

A aula acabou monótona e iríamos para casa fazer as mesmas coisas de sempre, até porque tínhamos uma rotina normal como todos. Foi na rua que a notícia chegou, uma adolescente havia sido morta durante a madrugada. É muito estranho quando uma pessoa da nossa idade acaba morrendo e quando descobrimos que foi de uma forma violenta, por algum instante a gente acaba se vendo naquela pessoa, tentamos de alguma maneira sentir a dor de quem a conhecia. Claro que, o que é ruim pode piorar, porque assim que chegamos em casa, ninguém mais precisou tentar sentir a dor de perder um amigo. A vítima daquela monstruosidade foi revelada e era nossa amiga, Isabella.

Quando algo assim acontece, parece que o mundo para. Eu escuto o som dos pássaros na árvore em frente a casa, o som do carro buzinando e mais ao fundo o som de alguém cortando a grama. Eu quero fazer perguntas, mas eu não sei que perguntas eu deveria fazer. Por que essas coisas acontecem? Por que isso aconteceu? Por que precisava ser com a gente? Todas as perguntas não possuem respostas.

Quem foi o monstro que fez isso com ela?

As perguntas são intermináveis, minha cabeça parece querer explodir, sinto um vazio dentro de mim, uma vontade voltar no tempo, e mesmo tendo passado 47 minutos, o pássaro segue cantando, os carros continuam passando e a pessoa que estava cortando a grama já deve estar fazendo outra coisa. Por que as pessoas não pararam de olhar para o próprio umbigo e se dirigiram para a Isabella? É injusto, é um caos, é pesado. Teríamos que carregar o fardo do que aconteceu sozinhos?

Junho de 2024.

O sino da igreja tocou oito vezes. Eram 8 horas da noite e estava todo mundo em frente a escola esperando o Guilherme chegar. Guilherme era primo da Isabella e quem havia organizado uma reunião com todos os amigos dela. Havíamos nos encontrado na semana passada na missa que foi feita. 1 ano depois, ainda estávamos abalados com o que havia acontecido, ser esquartejada e ter seus pedaços escondidos dentro de casa foi a coisa mais horrível que já aconteceu na história da nossa cidade inteira, mas não ter o assassino preso tornavam as coisas ainda piores.

- Luciano, o Gabriel está demorando demais. Eu prometi que iria buscar minha prima na rodoviária.

- Realmente, o combinado era às 19 e 30. Mas caso queira ir, pode deixar que eu aviso ele. Eu também já teria ido, mas a festa junina foi cancelada depois de dizerem que havia um homem estranho rodeando o milharal. E além disso, estou esperando ele, não é?

- Como assim? Amigo, eu não soube disso não. - Questionou Beatriz, demonstrando um pouco de medo.

- Pois é - Respondi - Nas câmeras de segurança apareceu um homem rondando a fazenda, e como o assassino está solto, acharam melhor cancelar.

Beatriz confessou que tem vontade ir embora da cidade depois que tudo aconteceu, e é compreensível. Quem é que fica seguro sabendo que o criminoso está por perto?

- A gente tenta seguir em frente, mas parece que sempre estamos voltando no tempo. - Completou ela.

Assim que o Guilherme chegou, outra vez meu coração voltou a querer sair pela boca. Diferente do medo que todos sentíamos mesmo estando juntos, por alguns segundos eu conseguia me esquecer de todo o problema que estávamos vivendo. Gostaria de avisar que estou te contando sobre algo muito ruim, mas não poderia deixar de falar sobre a pessoa mais linda que eu já tive em toda a minha vida. Parece que tudo o que falta, com o Gabriel se completa. A Isabella sempre tinha apoiado que ficássemos juntos então no último ano a gente acabou se apegando ainda mais e a única pessoa que se incomodou com o meu amor foi minha ex-namorada, Cristina Amadeu.

- Perdão pela demora - disse, me dando um beijo e se voltando para o resto da turma - como vocês sabem, já vai fazer um ano que estamos namorando e então a gente resolveu fazer uma festinha em casa. Tem sido difícil para todos nós passarmos por cima do que aconteceu mas a gente precisa continuar vivendo a nossa vida. Eu acredito que, no mínimo, era o que minha prima iria querer. Então a gente veio planejando nos últimos meses e alugamos uma chácara, em outra cidade, é claro.

Alane fez questão de deixar claro que não iria. Mas a Beatriz nos defendeu.

- Eu não quero me expor a algo horrível. Eu tenho medo de morrer!

- Por esse motivo que eles alugaram em outra cidade. Você correr o risco de morrer, você corre todos os dias, em todo lugar. No lugar de você ser ingrata, deveria estar feliz de ter sido convidada.

- Bea, não é uma opinião minha. São fatos! - Respondeu gritando - Em qualquer filme de terror, adolescentes são os primeiros a morrer. Você acha que eu sou burra?

Existem momentos em que a gente tenta fazer algo legal, mas infelizmente nos damos conta tarde demais de que aquela pessoa não merecia. Por mais que estejamos convivendo por anos com a Alane, qual era a necessidade de estragar nosso momento? Realmente, adolescentes são mortos em filmes de terror, isso é verdade, mas os primeiros mortos são os ignorantes. E naquele instante, mesmo sem a gente perceber, deixava claro quem seria a próxima vítima de tudo de ruim que iria acontecer nos próximos dias.

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