— Polícia Militar, emergência?
A voz leve de uma mulher aparentemente jovem respondeu quando o terceiro bipe apitou na orelha do solicitante. Do outro lado da linha, um homem lutava para manter a calma e fazer a sua denúncia da forma mais coesa possível, mas a situação na qual se encontrava era anômala demais para impedir que seus nervos ficassem tensionados. O ar lhe estava faltando e gotículas de suor escorriam pela sua testa lisa e expressiva. Ele olhava para a porta principal de sua casa com os olhos de um filhote de gato esquecido pela mãe.
— Alô? Eu... Eu preciso de uma viatura aqui, rápido! Por favor...
— Está bem, meu senhor. Poderia me dizer o seu nome e o endereço da sua residência, por gentileza? — A operadora escutava o homem arfando, tentando conter um surto. — Senhor, está conseguindo me ouvir?
— Ele tá querendo entrar! Ele... Ele tá forçando a maçaneta, aqui.
— Senhor, eu preciso que mantenha a calma para que eu possa te ajudar, tá?
— Tá bom.
— Me diga o seu nome e o endereço da sua residência, por favor.
— Meu nome é Luciano, Luciano Ferreira dos Santos. Eu moro na Rua Joaquim Severino, 243, Jardim Samambaia. Eu moro perto... de frente com uma escola!
Ele escutava dedos pressionando teclas de teclado; a porta era empurrada por mãos fortes e truculentas. O batente rangia e as chaves tilintavam do lado de dentro, cercada de partículas de poeira e de reboco que cedia aos movimentos animalescos provocados pelo invasor. Luciano mal conseguia piscar, olhando para aquela porta velha e barata que não resistiria por muito tempo.
— Por favor, moça... Por favor, por favor...
— Quem está querendo entrar, senhor?
As pancadas intensificaram um pouco mais. Era como se o sujeito passasse a se utilizar das mãos e do ombro, jogando o seu peso contra aquela prancha velha de alumínio. Não, ela não iria resistir por muito tempo...
— Eu não sei, moça! Chame alguém logo, pelo amor de Deus! Ele vai arrombar a porta e vai entrar aqui.
— Uma viatura está seguindo para aí, senhor. peço que continue na linha e que me mantenha informada para que eu possa te ajudar, tá bom?
Uma pancada se ouviu, golpeando as orelhas da operadora, a fazendo afastar a cabeça para trás por instinto. O homem deu um grito abafado. O ar deslizou pelos seus dedos. Esbaforido e temeroso, o solicitante balbuciava suas súplicas a Deus.
— Consegue vê-lo de onde está?
O celular balançava na mão trêmula do homem, estático ao lado de uma divisória improvisada que separava a pequena sala da cozinha. A TV de 50 polegadas estava ligada; a Ponte Preta estava jogando. Luciano nem mesmo notou que a macaca acabara de abrir o placar.
— Moça, ele tá olhando pra mim. — Luciano disse com a boca seca. — Ele me viu, moça! Ele me viu, ele me viu!
— Senhor...
— O que você tá fazendo aqui dentro? Por que você tá fazendo isso comigo?
O invasor o encarava do outro lado da porta. Uma silhueta deformada revelando feições abstratas e sombrias. Duas órbitas negras olhavam diretamente para o dono da casa pelo vidro. A porta finalmente escancarou e uma figura enegrecida pelas sombras da noite adentrou aquela sala com as mãos cerradas e viradas para o chão. Os despachadores já entravam em contato com o rádio da viatura, informando sobre a situação em que Luciano estava enquanto a operadora da central de emergência tentava manter uma conversa sem deixar a tensão transparecer. Um operador não precisa necessariamente ter experiência na função, mas deve ter diploma do ensino médio ou equivalente e, principalmente, ter a capacidade de se manter calmo e centrado em situações estressantes.
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DANOS IRREVERSÍVEIS
Short StoryA loucura pode se instaurar de várias formas: ao testemunhar um crime brutal, sobreviver a um acidente de trânsito terrível, um divórcio conturbado, a perda de um ente querido. As possibilidades são quase infinitas, mas o cérebro humano, esse centro...