Capítulo 3 - Tempo

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Eu sou eu, você é você

Isso é o que mais me agrada

Isso é o que me faz dizer

Que vejo flores em você

(Flores em você - Ira!)

Por fim, existe quem é a mistura de tudo. É como se a pessoa conseguisse utilizar o lado esquerdo e direito do cérebro com igualdade, focando na razão quando necessário, mas deixando-se levar em outros momentos.

É um meio-termo que apenas algumas pessoas conseguem conciliar, já que ambas as partes querem ser dominantes. Um equilíbrio perfeito entre sentir e reprimir.

Samia Omar apresentava todas essas características, mas tinha apenas três anos e meio quando a mãe descobriu que havia algo errado em seu desenvolvimento. Julgou que fosse pelo nascimento prematuro.

Kamilah notou alterações consideráveis em relação à visão e ao caminhar da garota. Ela não parecia conseguir enxergar direito, mesmo que os oftalmologistas não encontrassem problemas nos olhos.

O equilíbrio também não era bom, mas os ortopedistas não notaram nada de divergente nas juntas e ossos. Dos vários outros especialistas que a mulher visitou com a filha, apenas um pediatra sugeriu investigar mais a fundo, especificamente no cérebro. E se aquilo fosse uma loteria, o médico teria ganhado uma bolada de dinheiro.

Após uma saga incansável de exames quase diários, com alguns não encontrando nada de relevante e várias equipes diferentes, finalmente Samia foi diagnosticada com um meduloblastoma: tumor infantil maligno de crescimento rápido no Sistema Nervoso Central.

Ele se desenvolve nas regiões onde se encontram o tronco encefálico e o cerebelo – que é responsável pelo controle dos movimentos voluntários do corpo, a postura, a aprendizagem motora e o equilíbrio.

Após uma ressonância magnética para um diagnóstico inicial, o médico disse que a decisão mais correta seria tirá-lo, mas existiam grandes chances de o desenvolvimento intelectual da criança ser afetado permanentemente. Por ser um tumor ainda de pouco risco, Kamilah ficou com receio e desistiu da ideia da cirurgia.

Os dois ápices do tumor se dão entre os três e quatro anos, e depois dos oito aos dez anos. Samia tinha exatamente nove anos e quatro meses quando Kamilah viu sua filha desacordada no chão da sala. Depois de muitas pesquisas e conversas com médicos, ela sabia que as chances de a cirurgia dar certo em uma criança de mais de cinco anos eram de 60% a 80%.

Apesar do bom prognóstico, aquilo não tranquilizou a mulher.

As emoções gritavam em ansiedade, julgando-a, chamando-a de negligente. Mas seu lado mais racional tentava confortá-la com a decisão de ter adiado. Em crianças com quatro anos ou menos, o prognóstico é mais complicado.

A maioria delas apresentam doenças disseminadas, também chamadas de metástases, e as que sobrevivem à cirurgia correm mais riscos de desenvolver déficits neurocognitivos a longo prazo.

Se Samia estivesse acordada, conseguiria utilizar a razão bem melhor do que a mãe, já que a garota tinha os dois lados dominantes. Ela seria a pessoa que tranquilizaria Kamilah ao mesmo tempo em que ficaria com medo.

Ela viveu consideravelmente bem durante os cinco anos que se passaram, mas seu cérebro não aguentava mais a expansão do tumor. Os remédios disfarçaram os sintomas e até mesmo os exames de imagem não estavam mostrando uma evolução tão rápida.

Era como se tudo apelasse para a emoção de Kamilah, para fazê-la acreditar que ela tinha tomado a decisão correta. Para fazê-la viver todos os dias de forma única, dando à Samia tudo o que ela nunca teve, principalmente o amor.

E era por ela, e apenas por ela, que Kamilah moveria montanhas e céus. Sem sua menina, ela morreria de novo.

Fragmento [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora