𝘾𝙖𝙥í𝙩𝙪𝙡𝙤 2

10 2 17
                                    

Cinco anos depois...

Sinto um cutucão em meu ombro.

Acordo em um sobressalto, sentindo a saliva grudenta umedecer a manga de meu jaleco branco, sujo de sangue do paciente anterior. Eu estava cansada demais para me mexer e trocar de roupa, o que não era muito apropriado sanitariamente, mas o cansaço sempre me vence nessas horas.

Ajeito a compostura, ligo os aparelhos auditivos e ajusto o coque solto em minha cabeça.

— Enfermeiro Lucas. No que posso ajudar? — Digo, ansiando para que ele não tenha ouvido meus roncos.

— A senhora Ana Maria será liberada para voltar para casa sob cuidados paliativos essa noite. Os familiares vêm buscá-la amanhã pela manhã. — Ele informa, e um sorriso dolorido involuntário brotou em meus lábios.

Ana Maria é uma paciente que trato há dois anos. Não sou sua oncologista, mas participei desde o início de seu tratamento. Ela tem 70 anos, com diagnóstico de câncer de mama metastático em estágio avançado. O câncer se espalhou para os ossos, pulmões e fígado, tornando o tratamento curativo inviável. Após uma série de tratamentos agressivos, incluindo quimioterapia e radioterapia, o médico oncologista determinou que a melhor opção para Maria seria entrar em cuidados paliativos para controlar a dor e melhorar sua qualidade de vida até seu falecimento.

— Ela é incrível. Espero que possa viver seus últimos dias em um lugar confortável e não nesse inferno de corre-corre do hospital.

— Ela está ansiosa para ver e receber o livro que a doutora prometeu para ela.

Lucas comenta, revisitando um detalhe que eu havia deixado passar.

Meu sorriso se transforma em uma careta instantaneamente.

Merda, eu tinha me esquecido do livro.

No início de seu tratamento, durante uma das consultas médicas, Ana Maria expressou seu amor pela leitura e como os livros sempre foram uma fonte de conforto e inspiração para ela. Ela compartilhou que gostaria de ter mais tempo para se dedicar à leitura, especialmente durante seus momentos de descanso em casa. Foi então que lhe disse para começar a ler logo, pois depois que o tratamento acabasse ela voltaria à vida corrida. Prometi dar um livro a ela quando recebesse alta do hospital. Entretanto, ela teve uma espécie de premonição de que sua morte estava próxima, então ela pediu para que eu desse um livro mesmo sem sua alta. Meu livro preferido, para ler em seus últimos momentos de vida.

Me enrolei muito para entregar o livro. Não sei se pelo peso da responsabilidade ou por não ter um livro preferido. Agora ela entraria em cuidados paliativos e iria voltar para casa e eu nunca mais a veria. Precisava entregar o livro.

A lembrança da promessa feita a Ana Maria pesava em minha mente, uma responsabilidade que eu não podia deixar de cumprir. Mesmo que eu não tivesse um livro preferido, eu sabia que precisava encontrar algo especial para ela, algo que pudesse trazer conforto e inspiração em seus últimos momentos.

Olho o relógio do computador, que marcava dezenove e quinze da noite. Todas as lojas já estariam fechadas nesse horário, menos uma: a biblioteca pública.

Bom... não é bem uma loja, mas eu poderia pegar emprestado o livro e depois pagar uma multa.

Procuro o velho cartão da biblioteca que não usava fazia anos.

— Merda! — Exclamo, percebendo que o cartão não estava onde eu pensava. — Lucas, eu esqueci do livro. Segura as pontas aí, já volto.

A biblioteca fecharia em 15 minutos e ficaria pelo menos dez minutos a pé do hospital. O tempo era curto, mas a promessa feita a Ana Maria era mais importante do que qualquer inconveniência ou multa. Peguei o cartão da biblioteca no fundo da minha carteira surrada.

Enquanto Te ProcuroWhere stories live. Discover now