Acordo antes mesmo de abrir os olhos. Não é uma sensação que eu goste, pois me sinto como se estivesse presa em uma espécie de casca orgânica que é meu corpo. Tento abrir os olhos e sou recebida por uma luz branca fosforescente, impossível de não reconhecer. Eu estava no hospital. Merda. Não lembrava de ter pegado no sono em minha sala.
Tento me ajeitar na poltrona desconhecida onde aparentemente adormeci, ainda de olhos fechados, tentando me acostumar com a claridade. Estranho, na minha sala não temos esse tipo de poltrona.
A sensação de desconforto persiste, como se meu corpo estivesse protestando contra a posição em que dormi. Ainda assim, sentia minha cabeça mais leve que ontem, estava um pouco melhor resfriado.
Respiro fundo e me espreguiço, tentando aliviar a tensão nas minhas costas. Talvez seja hora de parar de dormir em lugares feitos para o atendimento de pacientes.
Há uma manta grossa em cima de mim, quente e confortável.
Abro os olhos lentamente, me ajustando à luz do quarto.
Merda. Eu estava em um dos leitos da sala de observação. Mais precisamente na cadeira de acompanhante do leito onze, onde Aquila estava.
Ele estava lá, acordado, comendo seu café da manhã insosso de hospital. Ele me olhou e abriu um sorriso, proferindo palavras demais para que eu pudesse ler os lábios ainda em estado de sonolência. Rapidamente coloco meus aparelhos auditivos.
— Dormiu bem, princesa? Quer café da manhã? Deixaram aqui uma bandeja para você. — Aquila diz rápido demais.
— Meu Deus! Eu dormi aqui? — Coloco a mão em minha têmpora, sentindo minha cabeça latejar. — Nossa, isso é tão antiprofissional e...
— Tudo bem, Helena. Somos amigos. Acordei no meio da noite na checagem noturna e você já estava aqui, dormindo tão profundamente que não quis te atrapalhar.
— Somos amigos? — As palavras escapam de mim.
— Ué? Já estivemos em combate juntos.
Aperto meus olhos fortemente. Não havia motivos plausíveis para explicar a Aquila o que estava fazendo aqui; na verdade, nem eu sabia o motivo. Eu só havia passado aqui para devolver seu casaco e atualizar o prontuário e peguei no sono.
Maldito resfriado.
Ao menos eu me sentia melhor.
— Eu... Vou... ir... E...
— Não. — Ele me interrompe. — Agora tu já está aqui, Helena. Toma teu café, os enfermeiros pediram especialmente para você.
A pausa é longa.
— Fica um pouco.
Ele sorriu. Ele estava bonito demais para alguém que acabara de acordar. Seus olhos azuis eram brilhantes demais para alguém com infecção.
— Tá bom. — Me dei por vencida.
Levantei e dei dois passos até a mesa portátil hospitalar de refeições. Aproximo a mesa da cadeira e tiro o domo de acrílico de cima do prato. Eram ovos mexidos, torradas acompanhadas de um tipo estranho de geleia e manteiga. Do lado um copo de isopor com leite extremamente quente, café solúvel e açúcar. Minha barriga ronca.
— Nossa, seu café da manhã parece muito melhor que minhas bolachas de água e sal e o café com leite sem açúcar. — Ele diz e eu rio.
— Precisamos manter sua dieta leve, caso necessite de outros exames. — Respondo antes de morder um pedaço de minha torrada. — Como está se sentindo?
— Melhor.
Não sei quando comecei a diferenciar verdades verdadeiras das meias verdades. Penso que foi logo depois que comecei a trabalhar na emergência e atender pacientes demais. Olhei os traços de Aquila, todos perfeitamente alinhados, mesmo com a cicatriz recente em seu rosto que acabara de começar a criar pele nova. Ele estava falando uma meia verdade.
— Certeza?
Os soldados têm esse costume. Acho que todo mundo que já foi extremamente negligenciado pelo seu próprio corpo tem esse costume: tentam ser mais fortes do que realmente precisam.
Levanto de minha cadeira e me aproximo da cama, ele me encara. Provavelmente era a primeira vez que Aquila me via com roupas normais, sem o jaleco branco sujo ou o pijama hospitalar amassado. Fiquei um pouco incomodada com isso. Eu estava vestida em calças de moletom antigas e com o mesma jaqueta grande e quente da faculdade que tenho desde os vinte anos.
— Como você está?
Ele desvia do assunto.
— Melhor...
É verdade.
Vou até o corredor, lavo as mãos e visto um par de luvas estéreis.
— Qual sua idade? — Ele pergunta rápido.
Minha testa se enruga.
— Quantos anos pareço ter?
— Você parece mais velha que eu. Com toda a certeza tem mais de vinte anos porque fez medicina e eu a conheci cinco anos atrás... — Aquila começa a falar rápido demais.
Começo a desfazer o curativo de seu pé.
— Faço trinta semana que vem. — Digo e olho seu pé. — Merda, Aquila, está pior!
O pé de Aquila estava extremamente inchado, e a necessidade de uma drenagem era evidente. A situação parecia grave, exigindo atenção imediata. Com um estar angustiado, apertei o botão de urgência.
Uma onda de agonia tomou conta de mim enquanto esperava.
Os enfermeiros e o médico plantonista chegaram afobados e eu me retirei da sala, deixando Aquila com o outro médico plantonista.
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Enquanto Te Procuro
RomanceAté quando você procuraria por alguém? Até onde você iria para encontrar alguém? Uma médica e um soldado se entrelaçam em meio aos horrores da guerra. Suas vidas se cruzam em momentos fugazes, apenas para serem separadas pela cruel imposição do dest...