Capítulo 3

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Eu e Lucy acabamos voltando para casa no final da tarde, mais cedo do que eu esperava.

Ao passar a chave na maçaneta da porta de casa, senti uma tontura. Me apoiei com as mãos na maçaneta e fechei os olhos. Foi quando Lucy se deu conta e me segurou pelo braço, abriu a porta e me levou até o sofá mais próximo da sala.

Ninguém estava em casa. Lembrei de agradecer a Deus por isso. Minha mãe não estar lá me livrou de ouvir sermões exagerados.

— Anne, tu precisa descobrir os motivos dessas tonturas e dos enjoos. — Pela primeira vez Lucy pronunciou algo a respeito.

Eu pude notar a preocupação em seu olhar.

— Estou bem, amiga. — Menti.

Não, eu não me sentia nada bem, porque quando eu tentei me levantar do sofá, voltei para o mesmo lugar em que estava, pois me veio novamente a tontura seguida da ânsia de vomito terrível.

— Lucy, por que tu acha que eu posso estar passando mal assim?

— Eu não faço ideia. — Ela se sentou ao meu lado.— Vamos ao médico, Anne, por favor. Eu realmente estou preocupada contigo.

Eu tentei organizar meus pensamentos. Que dia era aquele do mês? Alguma coisa me faltava nele. Mas eu não conseguia lembrar.

— Que dia é hoje? — Perguntei.

— Dezesseis.

Balancei a cabeça em negativo, perplexa. Como eu pude esquecer? Não. Aquilo não estava acontecendo. Minha ultima menstruação tinha vindo em dezembro. Para ser exata, quinze de dezembro.

— Lucy, estou há dois meses em atraso. — Minha voz saiu rouca. Eu estava prestes a chorar.

— Anne, tu acha que pode estar grávida?? — Ela quase gritou.

— Dois meses atrasada. — Repeti para mim mesma.— No ano novo, eu o Vítor passamos a noite juntos e,depois que terminamos,eu meio que esqueci do mundo.

— Como que tu esquece de uma coisa tão importante?

— Eu não sei. Eu... eu... — Eu não conseguia falar mais nada. — ...to ferrada!

— Calma, amiga. A gente nem sabe. Pode ser outra coisa.

— Dois meses, Lucy. — Eu já estava chorando.— Não pode ser outra coisa. Tudo faz sentido agora... Enjoos, tonturas e o atraso!

Foi quando meus pais acompanhados do meu irmão entraram pela porta da sala. Meu irmão me viu chorar, mas me ignorou como sempre e correu para o seu quarto — graças a Deus! Mamãe parou e ficou me analisando, enquanto papai batia a porta atrás de si. Ele também parou e ficou me analisando.

— Algum problema? — Minha mãe quis saber.

— A Anne está com saudades... — Que desculpa horrível a Lucy deu!

— Do Vitor! — Eu completei.

Eu me odeio. Como pude ser tão ridícula? Por que lembrar do Vitor numa situação daquela? Ah, claro, a questão envolvia ele!

— Eu pensei que tu já tivesses superado isso, minha filha. — Minha mãe disse, veio até mim, se sentou do meu lado e segurou em minhas mãos.

— Coisas de Carnaval, tia Suzana. — Foi o que a Lucy completou.Esse lado atriz dela eu conhecia pouco. Primeiro foi a torcida falsa do pé para chamar a atenção do médico deus-muso, agora tentando enrolar meus pais....

Eu levantei do sofá, coloquei um sorriso no rosto e beijei primeiro no rosto da minha mãe, depois no deu pai. Acho que eles ficaram orgulhosos de mim pelo sorriso. Me senti uma falsa mentirosa.

— Estou bem. — Falei, depois puxei pela mão de Lucy subindo para o nosso quarto. Bati a porta atrás de mim e me sentei na minha cama, de frente para minha amiga. Respirei profundamente, enquanto ela me analisava. Ficamos em silêncio por um tempo.

— Pelo menos temos uma desculpa para ligar para o médico deus-muso. — Eu falei, risonha, na intenção quebrar o silêncio e aquela energia de preocupação que estava se impregnado em nós duas.

Lucy me deu um sorriso sem graça. Eu queria chorar, mas segurei minhas lágrimas.

Eu sei que não faria sentido algum ligarmos para o deus-muso só pra ele me examinar, pois eu não gostaria que ele que descobrisse minha suposta gravidez. Morreria de vergonha e ele me acharia uma irresponsável.

Ele estaria certo.

Ligar para o deus-muso era só uma brincadeira e Lucy sabia disso. Eu esperei que ela respondesse com alguma coisa engraçada para me tranquilizar, mas era a Lucy. Quem tranquilizava, quem cuidava, quem sempre fazia uma brincadeira para amenizar os momentos mais tensos era eu.Mas Lucy estava lá do jeito dela, sem me julgar. E seu olhar agora me dizia muito mais do que qualquer palavra que eu necessitava ouvir. Ela realmente estava preocupada comigo.

— Tá. Ligaremos. — Ela enfim falou alguma coisa, só que séria. Foi quando ela se aproximou, me abraçou bem forte e eu enfim deixei as lágrimas correrem pelo meu rosto.

Eu precisei daquele momento. A superforte e orgulhosa Anne enfim havia dado o braço a torcer e agora estava vulnerável.

Quando eu deitei minha cabeça no meu travesseiro para dormir, a primeira coisa que me veio a mente foi recordação do deus-muso. Do nosso pequeno momento, entrelaçados.

Aquela lembrança gostosa me fez sorrir.

Abracei meu travesseiro e fechei meus olhos.

Aquela noite eu não sonhei com marshmellows, palhaços e coisas alegres. No meu sonho, havia um homem, um garoto, uma garota, uma criança e um leito de hospital, mas ninguém sorria.

A vez de Anne [Amostra]Onde histórias criam vida. Descubra agora