Capítulo 4

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Era segunda-feira de Carnaval, eu e Lucy saímos para a praia, mas antes passamos em uma farmácia para compramos daqueles testes de gravidez. Não era 100% de garantia, mas na embalagem dizia que era 90%.

Eu já não estava tão animada com a folia do carnaval desde que apareceu essa possibilidade de um bebê a caminho.

Eu torcia para que aquela ausência da minha menstruação fosse apenas consequências de algum estresse ou até mesmo uma doença. Sim, uma doença, mas uma doença sem dor.

"Tudo, menos um filho do Vitor", eu pensava.

Depois de obrigar Lucy a ir até o caixa da farmácia e pagar o bendito teste, porque eu estava morrendo de vergonha de fazer isso, eu guardei-o na minha bolsa e evitei que Lucy fizesse qualquer comentário a respeito. Ela sugeriu as cabines sanitárias da praia para eu fazer o teste, mas eu fiz cara de nojo.

Então, nós decidimos fazê-lo quando chegássemos em casa e, enquanto isso, ficamos pela praia, pois com aquele sol escaldante de fevereiro, não tinha como voltar para casa e eu não queria ficar na piscina de casa, isolada do mundo.

Nós esticamos nossas cangas na areia e ficamos conversando sobre o George. Lucy não parava de tagarelar sobre uma possível possibilidade de namoro. O George tinha mandado uma mensagem para ela pela manhã, preocupadíssimo com a possibilidade de Lucy arrumar um cara melhor que ele — o que, sinceramente, eu não achava nada difícil, mas minha amiga não precisava saber dessa minha opinião.

— Ele disse "sinto tua falta" no final da mensagem... — Ela me dizia toda boba, segurando o celular na mão, lendo e relendo as mensagens que havia trocado com o George. Acredito que Lucy passou boa parte daqueles dias com aquele maldito celular na mão conversando com aquele nerd estranho.

O máximo que fiz foi dar um sorriso amarelo para minha amiga.

— Anne... — Ela se direcionou para mim ainda digitando no celular. — Se anima, por favor.

Eu não falei nada, nem com a boca e nem com um sinal de expressão com o rosto.

Eu não parava de pensar no meu possível destino: ser mãe, solteira, sem emprego, infeliz. Não era bem assim que eu havia planejado minha vida. Com essa ideia na cabeça, cada segundo na praia eu ficava mais ansiosa, pois não via a hora de retornar para casa e fazer o maldito teste.

— Se tu estiver grávida, terá duas opções... — Ela continuou a falar sem tirar os olhos do celular.— Ou ter o bebê sozinha ou procurar o Vitor e vocês casarem.

Eu quis matá-la quando ela mencionou que eu deveria casar com o Vitor.

— Lucy, cala a boca! A última coisa que quero é proximidade com o Vitor. Se eu realmente estiver esperando um filho dele, o máximo que vai acontecer é ele saber disso.

Minha amiga, mesmo parecendo não concordar, fez que sim. Lucy era certinha demais para concordar que eu deveria ter um filho, quem dirá sozinha.

Ao pensar na possibilidade de eu casada com um cara que me enganou e esperando um filho com apenas dezenove anos, sem emprego e sem formação, fizeram meus olhos encherem-se de lágrimas. Como eu estava com meus óculos de sol, Lucy não percebeu. Ela me deu um beijo no rosto, com tanto carinho que me deu mais vontade ainda de chorar.

— Vai dar tudo certo, Anne. — Ela disse, carinhosa.

— Mais alguma mensagem do George? — Mudei bruscamente de assunto.

— Ele não para de mandar mensagens. Não sei se isso é bom ou ruim.

— Eu diria que é ruim. — Tive prazer em abaixar meus óculos para que Lucy pudesse ver meus olhos revirados para ela.

— Olha! Ele disse que vem pra cá! — Lucy virou o celular para mim, me mostrando a mensagem, e falava tão alegre que nem parecia ela. — Pra cá, Anne! Eu nem acredito!

Quis vomitar, no sentido literário. Dessa vez não foi um enjoo de verdade. Só uma brincadeirinha.

Estava muito feliz por Lucy. Ela nunca havia se envolvido tanto com alguém, então eu acreditava que quando chegasse a vez dela, enfim daria certo para sempre, e era o que estava acontecendo entre George e ela.

— Apesar de não achar o George ideal para ti, espero que dê certo, amiga, do fundo do meu coração. — Eu disse, sincera.

Foi quando eu vi o médico deus-muso conversando com uma loira de olhos enormes e de corpo sarado. Me apoiei em meu cotovelo direito na canga e com o outro braço puxei meus óculos de sol para a ponta do meu nariz na intenção de enxergá-los melhor. Cutuquei Lucy na mesma hora.

Não pude deixar de perceber que a loira insinuava-se para ele. Quis morrer. Na verdade, quis matá-la! Ela sorria, mexia nos cabelos cumpridos e brilhosos. Uma mão estava apoiada na cintura esbelta, a outra, a mesma que de vez em quando ela mexia nos cabelos, tocava vez ou outra nos ombros nus do meu médico.

Meu.

Lucy também viu os dois e, claro, percebeu minha ira. Sorriu e em seguida fez que não com a cabeça.

— Tu realmente gostou desse cara. — Ela disse.

— Será que é a namorada dele?

— Se fosse não estaria assim tão distante.

— Quer mais proximidade que isso? — Bufei, ciumenta.

— Quer que eu burle algum desmaio? — Ela sugeriu. — Ou que tal tu fingir um afogamento?

— Ele não é salva-vidas! — Mas eu repensei na proposta. — Médicos estão aptos a fazerem respiração boca a boca em caso de afogamento? — Eu sorri, desviei os olhos do casal e encarei o mar.

— Anne, só foi uma brincadeira. Não faça isso!

Eu sorri. Claro que eu não me atreveria a tanto.

O médico deus-muso abraçou a loira de forma afetiva. Não era um abraço romântico, mas amigável. No entanto, meu instinto feminino me dizia que aquela jararaca estava com segundas intenções sim. A loira se despediu, pegou uma bicicleta e saiu pedalando. Até pedalando a desgraçada era estilosa.

O meu deus-muso se sentou na beira da calçada, pegou um pedacinho de madeira que estava jogado na areia e ficou rabiscando algo nela. Seu olhar estava perdido.

— Anne, disfarça. — Lucy falou, brincalhona.— Teu pescoço está quase quebrando de tanto que tu olha para o lado.

Ela estava certa. Então, eu voltei minha atenção para o mar. Mas eu continuei a pensar... O que ele — o Daniel, não o mar — pensava? O que ele pensava com aquele olhar perdido? Algum tempo depois, olhei para trás e vi que ele já não estava mais lá.

O dia acabou passando rápido demais. Eu e Lucy optamos por voltar para casa antes de escurecer.

Só ficamos na praia mesmo e, só pelo fato de ter espionado meu deus-muso, mesmo em companhia desagradável, o meu dia tinha valido a pena. Não ficamos em bloco, não ficamos com ninguém. Nossa preocupação era outra.

A vez de Anne [Amostra]Onde histórias criam vida. Descubra agora