Olá. Já faz muito tempo, não é? O que mudou nesse período? Há, muitas coisas. Se eu estou bem? Eu não penso mais sobre isso.
A cama em que me levanto agora, me mantém torto.
As luzes apagadas na sala, me desorientam. Se é noite ou dia, apenas abrindo a rebarba da janela, terei a resposta.
Se for dia, as águas vivas ainda não se adormeceram.
Se for noite, significa que tenho trabalho a fazer. Ou algo a fazer.
Hoje, 14 de janeiro de 1946, vejo a lua clara refletida no trincado do vidro da porta.
Ponho meu terno. Dou voltas e mais voltas na gravata. Hábitos.
Abrindo a porta, na escuridão lá fora, a noite suaviza minhas pupilas. Quanto tempo fiquei trancado? Quanto tempo eu dormi? Um dia? Dois? Uma resposta contida.
- boa noite, senhor Harrison!
A voz do senhor encostado na cadeira do outro lado da rua ressoa.
Tranco a porta. Jogo a chave no bolso do sobretudo. Faço um gesto de mão por enquanto que encaixo o chapéu pralana na cabeça.
Aquele é o senhor Kirby. Ele tem 58 anos e mora sozinho. As vezes uma mocinha vêm lhe visitar. Sua sobrinha. Ele serviu na primeira guerra mundial. Um massacre.
Eu o vejo todos os dias, as vezes.
Sumo nas calçadas. Sumo abaixo das luzes mórbidas dos postes.
A cidade não é como era antes. Ela fede, como um esgoto. Nada nela me agrada. Ela nunca foi a mesma.
Eu pairo sobre ela, como uma sombra. As vezes penso que estou dormindo, andando como um sonâmbulo. Perdido. Perplexo diante da cidade pedra.
Detroit. Mãe das primaveras, e das noites de verão.
A lua me guia no céu. Estou no local combinado. Eu aguardo por ela na esquina. Ainda estou com sono. Maus hábitos. Estou sempre cansado. Uma dor enorme cruza minha coluna. Um grito vertical.
Uma sombra se aproxima a minha esquerda. Com olhos pesados, eu à vejo. É um anjo que vem me salvar? Talvez. A conheço a bastante tempo. No fundo, ela ainda me tem. Só não sabe. E é melhor que não saiba.
A luz do poste, a ilumina em tom dourado.
Ela para na calçada. Seus olhos me iluminam. Acho que ainda a amo também, mas, ela não pode sentir o mesmo. É melhor assim. Nós dois superamos esta barreira. Não irei estragar tudo novamente.
- oi.
A voz de Aline é apaixonante.
Depois de uma longa pausa.
Cabisbaixo, eu à respondo.
- oi.
Porquê isso ainda é constrangedor?
Aline é uma jovem encantadora que habita a poucas quadras de onde eu moro. Com seus cabelos loiros, que caíam delicadamente um pouco acima dos ombros, ela emanava uma beleza natural.
Seu estilo era um reflexo de sua personalidade encantadora e feminina, ela adorava usar vestidos que chegavam um pouco acima dos joelhos, combinados com sapatos delicados e blusas adornadas com detalhes em rendas e laços.
Apesar de sua aparência delicada, Aline era uma mulher de mente brilhante e tinha uma sede insaciável por conhecimento.
Era extremamente estudiosa e sempre buscava expandir seus sonhos.
Ela frequentava a biblioteca da cidade regularmente, devorando livros de diferentes gêneros e absorvendo cada palavra com entusiasmo.
Eu sei o que isso parece, como eu sei de tudo isso? Bom, é o meu trabalho. Pena que não estou usando minhas habilidades da maneira correta. Já faz tanto tempo que não as uso da maneira correta. Mas seguir o padrão de Aline, as vezes, salvava meus dias. Eu precisava daquilo. Mas nunca, absolutamente nunca, ela poderia saber. Ela não entenderia.
Aline era uma alma independente, com uma habilidade notável para tomar suas próprias decisões. Ela não se contentava em seguir o caminho pré-determinado para as mulheres. Em vez disso, sonhava em fazer a diferença no mundo e desbravar novos horizontes.
Nesta sociedade conservadora, muitas mulheres se limitam em suas aspirações e oportunidades. No entanto, Aline sempre esteve determinada a desafiar essas normas.
- surto de pensamentos, não é?
Aline pergunta.
O quê? Acordo abruptamente.
Ela me conhece tão bem.
Me volto para a conversa.
- é...
Respondo falho.
Ela puxa uma das mechas de seu cabelo loiro para detrás da orelha.
- precisa pegar um sol, está bastante pálido.
Eu me afasto timidamente.
- como ele está?
Pergunto desconfiado.
Ela me responde.
- ele está bem, apesar das reclamações. Dessa vez o problema foi com o menino que arremessa os jornais. Ele disse que o garoto sempre o xinga bem alto quando passa por sua casa, e todos os vizinhos escutam.
Acabo rindo de ladinho.
- é a cara dele.
Retruco.
Ela concorda com o olhar.
Aline se aproxima. Ela continua.
- ele sempre pergunta sobre você. “Quando ele vem me visitar?”. Ele gosta de você. Apesar da idade, ele se lembra. Estou ficando sem desculpas, sabia? Quando você vai visitá-lo?
- eu não posso!
Respondo quase que espontaneamente.
Ela consente.
Não é a primeira vez que a conversa toma esse rumo.
- diga a ele que estou em um caso importante. Não posso vê-lo no momento.
Aline concorda com o olhar.
Neste momento, um silêncio paira no ar.
- como vai a vida de detetive?
Aline pergunta. Curiosa.
- preciso ir, Aline. Desculpe.
Dou as costas para ela. Vazio. Mais paro depois de alguns passos. Pelo canto do olho, vejo sua silhueta. Parada.
Aline pergunta. Um pouco falha também.
- você... está bem?
Mexi a cabeça com um gesto positivo.
Em seguida.
- Adeus, Aline. Vá para casa. Não é seguro transitar por essas ruas nesse horário.
Continuo minha caminhada. Não olho para trás. Não posso olhar para trás. Nunca. Apenas siga. Siga seu caminho.
Siga sem olhar para trás.
Siga o que seu corpo pede. Vícios. Vícios. Siga seus vícios. Vou para o Murray’s.
Meu destino final de cada noite. Ou quase de cada noite. No caminho, reflito. Porque minto para Aline todas as vezes? Uma vez em cada semana, eu a encontro na mesma esquina. Ela me diz como o velho está. Ela pergunta sobre meu trabalho. Porque eu não digo a verdade?
Aline, eu não consigo mais nenhum caso. Nunca confiaram no meu trabalho. Não depois de 1931. Olá, eu sou Jacob Harrison e trabalhei como detetive para um dos maiores psicopatas mafiosos da história de Detroit. Sim, trabalhei para um criminoso. Há propósito Aline, todas as segundas e quartas-feiras eu lhe sigo o dia inteiro, porquê não superei você. Eu preciso de você. VOCÊ foi a única pessoa que eu realmente amei em toda minha vida.
Não suportaria vê-la com outro.
Isso me mataria.
Oh, doce Aline. Você nunca me entenderia.
Um lugar familiar há minha frente.
Eu lembro desse lugar. Não mudou exatamente nada. Antigamente, o lugar de minha maior perda. Atualmente, o meu vício.
Tenho passe livre para entrar. O dono é meu amigo.
Adentrando o bordel. Procuro por Hailey. Neste momento, mais do que nunca, preciso dela. Dentre os bêbados, eu à vejo cantar. No palco. Como uma estrela. Uma estrela de cabelos cacheados. Ao longe, ela me fita com o olhar. Pois já sabe o que eu quero.
Os segundos passam. Outra mulher da noite assume o palco. Hailey sobe as escadarias. Para um quarto. O nosso quarto.
Eu à sigo. Rapidamente.
Preciso desta noite. Eu preciso. De algo. Para suprimir toda esta dor diária.
Abrindo a porta, ela me espera na cama. Me fita novamente. Tocando a maçaneta, fecho a porta. Caminho até a cama a passos leves. A cada passo, tiro uma peça de roupa. E o mundo gira outra vez.
Quando percebo, estou deitado. Novamente, me sinto vazio. Eu sussurro.
- preciso de você... Por favor!
Hailey senta-se sobre mim. Por enquanto que a própria começa a se despir também. Já eu, continuo imerso em meu vazio emocional e subconsciente.
Hailey dá-me um tapa. Acordo novamente.
Ela retruca com sua voz macia e baixa.
- ei, acorde garoto! Se sente solitário, não é? Pois este sentimento acabará está noite... Agora.
Começamos.
Novamente.
Outra noite.
Outra relação mórbida. Vazia. Momentânea. Superficial.
Ela sussurra isoladamente.
- isso garoto. Isso... Vai... Aham... Aham... Isso... Isso... Issoo...
Palavras sem sentido.
Abro meus olhos. E a vejo.
Sem importância. Sem valor. Sem sentido. Segurando forte a sua cintura, eu a fodo com mais força, provocando meu corpo, provocando alguma sensação. Envão.
Ela sente-se como uma flor. Vejo pela expressão do seu rosto.
Uma flor de cabelos cacheados.
Uma flor... Uma flor... Estou quase... Uma... Uma... Quase...
A flor... A flor do amor... A flor... A flor da satisfação... A flor...
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Jacob Harrison - O beijo da morte (2024)
Historical FictionSinopse: 16 anos após os acontecimentos em "Edward Rose e o mistério da mulher da noite (2022)", acompanhamos esta continuação, focada na visão narrativa de Jacob Harrison (do primeiro livro), alguns anos no futuro. Nesta envolvente e misteriosa his...