Estava chovendo quando tudo aconteceu.
Meu quarto, apesar de todo fechado, continha um agradável cheiro de terra molhada; as paredes me envolviam com um frio aconchegante, enquanto o chão, igualmente solidário, me acomodava em seu colo nu... Entrementes, uma brisa — ocasionada dos inúmeros vai e vem daqueles que convivem comigo entrando em meu quarto sem a devida permissão — acariciava-me os cabelos. — Não entendo o porquê das pessoas parecerem sentir prazer em invadir o espaço alheio.
Geralmente costumam achar dias chuvosos tristes... concordo em parte, odeio ficar preso com certas pessoas em casa. Mas quando já se vive uma prisão interna, uma externa não faz muita diferença.
O que exatamente quero dizer?
Sempre senti uma coisa, uma da qual não conseguia explicar... De algum jeito, erro e eu éramos um só. Nada do que fazia parecia certo... nada do que pensava... do que vestia... que dizia... ouvia... sentia... O mundo que me apresentaram desde que possuí consciência que existo, nada me fazia sentir vivo. Entendem o que digo?
Também se acham um erro de alguma forma?
Situações estranhas sempre me ocorreram durante a minha vida... Até que um dia, uma luz pairou sobre mim.
Acompanhava as lágrimas das nuvens apostarem corrida pelo vidro da janela quando uma claridade amarelada a atravessou e assim permaneceu. Meu coração disparou. Uma energia diferente projetava-se junto daquela... Me ergui caminhando em sua direção, mas não parecia melhorar, ainda era uma visão tão confusa...
Foi então que aquilo começou!
Pude ouvir um estrondo vindo da entrada de casa, seguido de passos pesados e reclamações. Coisas do tipo: "Não é possível", "Não admito isso", "Ele não", "Jamais!", "Absurdo!", "Aberração"... entre muitos outros que não pude compreender.
O instinto me fez saltar até a porta e fechá-la, aquilo estava me afetando, não entendia o porquê. Não me recordava de ter feito qualquer coisa que pudesse se voltar contra mim... mas ainda assim, quis me esconder... E tudo piorou quando aqueles mesmos passos pareciam vir até meu quarto.
Foi assustador... ao mesmo tempo... familiar.
Não vejo como descrever de outra forma. Sentia o pânico escalar congelando-me desde as pernas, seguindo pelo estômago — o revirando na passagem, — apertando-me o peito, e finalizando no alto da garganta... foi terrível e inevitável. Só que apesar de todo esse tormento, quando os passos amedrontadores cessaram, uma chama quente me aqueceu o coração.
Fora incrível como o mundo pareceu desmoronar, e no fim um alívio assentou sobre mim... Mas que tipo de apocalipse estava acontecendo?
E novamente, o inusitado aconteceu. Bateram à porta.
Fiquei em um verdadeiro choque, nunca haviam batido me à porta... Fui acostumado a ser invadido de todas as formas possíveis... Contudo, outra vez não parecia ter escolha; a pessoa persistiu, e deu a entender que não pararia até eu abrir.
Voltei a escutar protestos ao lado de fora, mas de nada adiantava. Batidas e mais batidas se sucederam, até chegar a um ponto que nem eu aguentei mais.
Quando a destranquei, a visão que tive fora de um enorme cinto de couro. Gigantesco mesmo. Meus olhos então foram de encontro a um par de botas igualmente grande, voltei a estremecer somente com a ideia de erguer os olhos para ver de quem aquelas coisas pertenciam. Não melhorou quando assim o fiz. Uma barba desgrenhada, juntamente com o cabelo, formavam um grande capacete de um homem que mal cabia sob a altura do teto. E no meio de tantos pelos, gentis olhos me fitavam.
— Olá, estava dormindo? Sono bem pesado, em? Se importa? — anunciando em um sutil gesto sua entrada no cômodo. — Lamento dizer que terá que trabalhar isso ao entrar na escola!
Aquele homem gigante simplesmente seguiu até o meio do meu quarto como se fossemos velhos amigos... E, ironicamente, foi exatamente assim que me senti. Havia certo ar familiar nele que eu não conseguia decifrar.
— Então, peço desculpas o mal jeito, mas é que estamos enviando cartas há um bom tempo e nada de respostas, então o diretor me enviou para vir entregar pessoalmente!
— ... Desculpe... não quero parecer rude. Mas quem é você? Me conhece?
— Na verdade, não. Mas certamente nos conheceremos nos anos que virão.
— Não entendo...
— Imagino que não, sempre é confuso para nascidos trouxas como você... e sua família também não colaborou muito, não é? — passando a encarar o homem que adentrara o quarto.
— Ele não!! Não é e não vai ser como vocês esquisitos!! Já bastou minha irmã, meu filho também não vai ser parte dessa palhaçada!!
— Escute, senhor. De fato existem coisas que, se preferir, podem ser ignoradas... Mas isto não é uma delas... Nada nesse mundo muda o fato de seu filho ser um bruxo!
— Eu... ser o que? — o menor interrompeu.
— Um bruxo! — repetiu. — Pois é isso que você é! Magia é o que você tem! Um bruxo, isso que és... — se apressando para entregar o que viera entregar.
Assim que o envelope repousou sobre minhas mãos, tive a estranha impressão que estava recebendo uma carta de liberdade. O papel amarelado refletiu como ouro, com a luz que ainda adentrava pela janela, destacando o selo vermelho que o fechava. Hesitei um pouco antes de abri-lo, enrolando ao analisar o remetente e o brasão intrigante do selo.
Foi a partir daquele momento que tudo mudou.
Ainda estou absorvendo a ideia, claro. Não é uma coisa fácil de se assimilar depois de tantos anos de questionamentos sem explicação... tantos momentos difíceis... tantas crises existenciais...
E tudo foi tão rápido que quando dei por mim, estava vestindo uniforme e admirando a paisagem de dentro de uma cabine de trem, seguindo para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
Tudo tão novo... e tão familiar.
Não entendia muito daquele novo mundo, mas sentia que fazia sentido. Eu fazia sentido. Como se eu fosse apenas uma peça que só estava tentando se encaixar no quebra-cabeça errado.
Agora que sei disso, mais dúvidas surgiram... E de longe, são muito melhores do que as anteriores que me prendiam.
Não estou nem um pouco pronto para conhecer quem sou de verdade, só sei que vou fazer o meu melhor pra que isso aconteça da melhor maneira possível.
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Pov: Isto não foi sobre se descobrir um bruxo.
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------A minha vontade é fazer uma fic onde os kidols explicassem certas coisas do mundo bruxo. Não sei se algum dia vou fazer, mas fica aqui um gostinho de um idol no mundo bruxo ;)
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Quimérico - pequenas ideias.
FanfictionHistórias curtas de estilo fanfic que podem virar grandes contos futuramente... Obs: Ideias, gêneros, personagens, universos, pautas... diversas!