𝘊𝘢𝘱í𝘵𝘶𝘭𝘰 1

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"E o que é liberdade, você pergunta? Significa não ser escravo de nenhuma circunstância, de qualquer constrangimento, de qualquer chance."

★ 𝐒ê𝐧𝐞𝐜𝐚, 𝐜𝐚𝐫𝐭𝐚𝐬 𝐝𝐞 𝐮𝐦 𝐞𝐬𝐭𝐨𝐢𝐜𝐨

31 de dezembro de 1927, Goldberg Avenue, Edimburgo.

Sinto a luz do sol em meu rosto e escuto algo batendo sobre o vidro da janela do meu quarto, abro meus olhos sonolentos e tenho um sobressalto ao ver um par de olhos cor de âmbar me encarando. Me espreguiço sobre os lençóis macios, bocejo e me sento na cama. Ao abrir a janela, Benjamin entra e cai sobre a cama com um baque surdo.

- Feliz aniversário, Ayne...

Diz o menino com aquele sorriso tímido de sempre. Benjamin era um garoto alto, esguio, de grandes olhos cor de âmbar e com uma nuvem de cachos ruivos na cabeça, sempre com aquela expressão de tranquilidade no rosto. Suspiro levemente e me levanto da cama com um pulo.

- Obrigado. Ainda é cedo, veio me visitar ou seus pais brigaram de novo?

Silêncio. O garoto apenas desvia o olhar e me segue. Eu considerei isso como um sim. Os pais do Benjamin, quero dizer, seu pai e sua madrasta vivem brigando e, sempre que eles brigam, Benjamin sai escondido. Na maioria das vezes ele vem me ver, mesmo sabendo que a Tia Adelaide não gosta dele, Acho que na verdade ele só ignora porque Tia Adelaide não gosta de ninguem. Benjamin tem um dom incrível de sumir sem deixar rastros, principalmente quando isso significa que vai ter que ficar em casa com a srta. Berkeley, a namorada irritante do pai dele.

- Talvez, bem...não vamos falar sobre isso certo?

- com certeza não.

Respondo enquanto vou em direção ao banheiro do meu quarto para lavar o rosto. Ao olhar no espelho em cima da pia,vejo o corte em minha bochecha, estava vermelho e levemente inchado. Pego com cuidado a barra da camisola, molho e esfrego sob a pele irritada. Já devia ter cicatrizado a muito tempo, mas tem um detalhe especial sobre esse corte que eu gostaria de acrescentar, ele simplesmente não cicatrizava. Ele está na minha bochecha desde que eu tinha seis anos de idade, desde que a vida era doce e eu nao tinha que escutar os longos sermões da tia Adelaide. Isso foi antes da mamãe ser internada no hospital psiquiatrico e antes do meu irmão mais velho desaparecer. Eu sempre faço de tudo, tudo o que posso fazer para que ele cicatrize mas não adianta de nada. O engraçado é que eu não me lembro como ganhei esse detalhe e sempre que pergunto para a Tia Adelaide ela franze o cenho com desagrado. Ela nunca me responde.

Você deve estar perdido com essa bagunça toda, mas vou resumir. Quando eu tinha seis anos de idade vim morar com tia Adelaide. Meu pai, o coronel Willoughby, tinha se suicidado, minha mãe tinha sido internada no hospital psiquiatrico e meu irmão mais velho estava desaparecido. Como minha Tia sempre diz , "Eu sou uma alma solitária vagando pelo mundo."

Saio do banheiro após um tempo e Benjamin esta me esperando no quarto. Vou até a cômoda, abro a gaveta e tiro um caderninho preto de dentro. Assim que tirei o caderno da gaveta, Benjamin me olha com um interesse maior. Sua curiosidade era palpável.

- Ah, o plano...o plano?

- Eu te disse, iríamos cair fora quando eu completasse dezessete.

- Mas eu não pensei que fosse literalmente quando você fizesse dezessete...

- vai amarelar?

- E se eu for?

- Benjamin!

- Tudo bem, Tudo bem...se acalme, mulher!

- Estou calma, mas minha paciência é pouca para gente lerda.

- Não sou lerdo!

- você paga pra morrer.

- Os cigarros não são um vício...

- Ainda não.

- podemos prosseguir com o plano...?

Suspiro e me sento ao lado de Benjamin. Começamos a folhear as páginas amareladas do pequeno caderninho e ler mais uma vez o plano.

Quando eu completei dezesseis anos, decidi que iria fugir da casa de tia Adelaide, ser livre e viver a minha vida. Mas na noite em que meu plano seria executado, me descobriram e Tia Adelaide me deu um sermão de quase uma hora, Mas eu não seria derrotada tão facilmente assim. Ah, não...não Ayne Willoughby. Fiz um novo plano e nessa versão eu inclui o Benjamin. Ele não me disse ao certo o porquê de querer sair de Goldberg Avenue, apenas me disse que tinha seus motivos. Creio que esses "motivos" tenham nome e se chamem George Berkshire, o pai de Benjamin. Os dois não tem uma relação muito boa desde a morte da Sra. Berkshire e essa má convivência só se agravou quando a Srta. Berkeley chegou na vida deles.

Já os meus motivos...eu sou como um pássaro em uma gaiola. Desde que os meus primeiros sinais claros de magia surgiram, Tia Adelaide não me deixa ir muito além dos jardins da antiga residência Mason. Aliás, nem isso ela deixa já que ela morre de ciúmes dos jardins. Ela só deixa o Benjamin me visitar por consideração á srta. Berkeley, já que as duas são amigas, ou melhor, a srta. Berkeley acha que é amiga dela, na verdade, tia Adelaide só usa a srta. Berkeley como companhia porque ela é bonita e porque ela não aguenta olhar para mim e ver o retrato ambulante da irmã dela. Tia Adelaide é exibicionista, orgulhosa e arrogante então está sempre gastando á fortuna do falecido marido, o Sr. Mason, com futilidades. Ela não se importa com ninguém além de si mesma então não mudaria muita coisa se eu fosse embora. Já estou sozinha mesmo.

- Hoje á noite, certo? - Disse Benjamin quando terminamos de ler o plano.

- durante a festa de ano novo da tia Adelaide. Ela vai estar tão entretida com as outras peruas elegantes, que nem vai sentir a nossa falta.

- Certo...qual vai ser o nosso destino quando sairmos daqui?

- Londres.
- hmm...e como vamos até lá em uma noite...?

- Digamos que eu peguei emprestado da bolsa dela o suficiente para duas passagens de trem.

- Não me diga que você... - Benjamin engoliu em seco e desviou o olhar - você sabe que ela vai notar uma hora ou outra, certo?

- Ela já notou.
- Já notou?!
- já, mas culpou a arrumadeira.
- Meu senhor amado...o que aconteceu com ela?
- foi demitida.
- você não tem coração, Ayne?

- Claro, O que eu não tenho mais é paciência para ficar trancada em um quarto minúsculo nessa mansão horrorosa caindo aos pedaços, enquanto a Madame Mason bebe champagne e sai por aí fedendo a laquê.

Benjamin assentiu e suspirou. Ah, garotos...sensíveis e dramáticos.

- Está tudo bem...Eu fiz um favor para a arrumadeira. Ninguém suporta aquela velha mesmo.

Dei o meu melhor "sorriso amigo" mas não convenceu muito então apenas dei um tapinha de leve nas costas de Benjamin.

- Hoje a noite, eu e voce, trato feito?
- Trato feito.

𝐅𝐈𝐋𝐇𝐎𝐒 𝐃𝐄 𝐇𝐄𝐂𝐀𝐓𝐄 |𝐋𝐔𝐀 𝐃𝐄 𝐒𝐀𝐍𝐆𝐔𝐄  Onde histórias criam vida. Descubra agora