Elle/Chris

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Elle

Assim que Linda fecha a boca, Eleanor pega sua bolsa e sai da nossa casa, mas sem antes dar um sorriso e uma piscadela discretos para Anne e Lily. Ambas pareciam estar prestes a explodir de empolgação e expectativas.

- Sentem-se. - Linda ordena e minhas irmãs obedecem imediatamente. Eu não sei se a conversa se aplica a mim, mas sento também. Antes de prosseguir, minha madrasta respira fundo e olha atenciosamente para elas. - Anne, Lily. Vocês sabem muito bem porque eu nunca deixei vocês irem pro reality. É um ambiente pesado e eu não queria que vocês tivessem esse tipo de exposição. Lá é... Complicado...

- Mas mãe...

- Eu não acabei. - Minha madrasta diz imponente como sempre. - Mas dessa vez eu não tenho escolha. A semana de isolamento começa em dois dias!

- UHUUUUUUU! - Lily não consegue conter a empolgação.

- Lily! - Anne cutuca a irmã com o cotovelo, provavelmente com medo de Linda mudar de ideia.

- Mas a produção não pode sonhar que vocês são minhas filhas. Existem contratos que impede esse tipo de relacionamento.

- Vamos as compras!!! - Anne diz, agora tão empolgada quanto Lily.

- Mas e a Elle, mãe? - Lily questiona.

- Eu? Ah, não. Eu não quero ir pra reality nenhum! Ainda não mais esse... - Digo, meio sem pensar na minha escolha de palavras. - Sem ofensas, Linda. O reality é realmente ótimo, mas não consigo nem me imaginar lá. Além do mais, eu vim pra cá pra ajudar a cuidar dos trigêmeos e não posso deixar meu posto.

- Nem se Ells quisesse eu permitiria. - Linda volta a mexer em seu notebook.

De repente, o clima ficou estranho.

- Como assim? - Pergunto, soando mais ofendida do que eu deveria estar.

- Ells, querida. Não me entenda mal. Quando casei com seu pai, prometi que iria cuidar de você como cuido de Lily e Anne e estou me esforçando pra fazer isso, por mais que você já tenha 22 anos.

- Desculpe, eu não estou entendendo. O que isso tem a ver? - Lily interrompe.

- Elle... - Linda desvia o olhar do notebook e olha para mim. - Você é linda. Uma das meninas mais lindas que eu já vi. Você tem os grandes e brilhosos olhos castanhos do seu pai. E o sorriso lindo da sua mãe, que vi em fotos que seu pai me mostrou. Mas você não é...

- Padrão? Magra? Modelo? - Pergunto ríspida, tentando conter a indignação.

- MÃE?! - Anne estava tão indignada quanto eu.

- Não é isso, Elle. - Minha madrasta coloca as mãos por cima da mesa e segura as minhas, me olhando nos olhos com sinceridade. - Eu disse que você é linda e realmente acredito nisso. Meu medo é que as pessoas sejam cruéis com você. Hoje em dia, com a Internet, existe muita pressão estética e as pessoas acham que podem falar o que quiser dos outros. Se eu expusesse você dessa maneira e as pessoas te maltratassem, eu nunca poderia me perdoar.

Cada palavra de Linda soava como facas atravessando meu peito. Eu sempre fui gorda, desde que nasci. Corpulenta, rechonchuda, fofinha, como quiser dizer. Nunca tive espaço entre as coxas, sempre tive seios fartos e braços flácidos. E apesar de todo bullying que sofri na infância e começo da adolescência, minha mãe sempre me ensinou a me amar e me cuidar. Sempre deixou claro que o bullying é sobre quem faz e não sobre quem sofre. Claro que levei isso pra várias sessões de terapia, mas meu corpo nunca me incomodou. Eu nunca deixei de vestir decotes, croppeds e roupas curtas e justas. Nunca deixei de ir de biquíni pra praia. Nada disso nunca foi um problema pra mim, apesar de ser pra muitas pessoas. Ao contrário de mim, minha família é formada apenas de pessoas magras, altas e esbeltas. Nada disso me impede de ser feliz. No ensino médio e na faculdade, isso não me importava mais e nem as pessoas ao meu redor. Apesar de eu trabalhar com o mundo da moda, o senso comum evolui cada vez mais e, se alguém não gostava da minha aparência, ninguém nunca comentou desde que entrei pra esse mundo. Parte de mim sabe que Linda tem razão. É muita exposição. Só porque a gordofobia não me atinge mais há anos, não significa que ela não exista ou não atinja outras pessoas. Mesmo assim, que coisa cruel para se dizer. As lágrimas enchem meus olhos e travam minha garganta antes que eu possa formular qualquer resposta.

- Antes da Meia Noite nunca teve uma concorrente gorda... - Lily diz, quebrando o silêncio sufocante da sala, sua fala parecendo uma mistura de pergunta com afirmação. Nós três estamos em choque.

- Elle, você me entende? Eu não escolho as concorrentes sozinha. Me desculpe, eu não quis te magoar. - Linda soava realmente preocupada.

No fim das contas, não consigo respondê-la. Lentamente solto minhas mãos das dela, levanto e saio da cozinha, indo direto pra minha casa.

- Que vacilo, mãe... - Ouço Anne dizer, antes delas saírem da cozinha junto comigo, mas na direção oposta, indo para sala.

***

Chris

A semana passou voando. Matt sugeriu que devíamos gravar e programar vários vídeos pro YouTube, TikTok e Instagram antes que eu entre em isolamento total para o programa. Na sexta-feira, Eleanor, uma das responsáveis do progama, pediu que fizéssemos mais uma reunião via Meet.

- Chris! Meu solteiro da vez! - Eleanor sorri do outro lado da tela. - Como você está? Ansioso? Malas prontas? Animado?

- Oi, Eleanor! - Sorrio, meio levemente constrangido pelo "meu solteiro". - Sim, tudo bem.

- Certo, querido. Que bom. Chris, vou ser direta com você. Eu fiz uma pesquisa mais afundo sobre você e descobri que você não é só um rostinho bonito com uma quantidade considerável de seguidores no Instagram. YouTuber, hum? - Ela parecia estar pesquisando nesse exato momento. Apenas aceno com a cabeça como resposta. - Conversei com a direção do programa e... Bem, nós gostamos de você. Muito. Mas você meio que... Hum... Faz muitas piadas e... Arrota bastante...

A última parte me faz engasgar com um gole de Pepsi.

- Eleanor, eu não sou um macaco de circo. - Brinco. - Ah, isso foi uma piada também. Mas foi mal, foi mal. Eu prometo que vou me comportar direitinho. Sem piadinhas toscas e arrotos no programa. Prometo mesmo.

- Eu acho você engraçado, Chris. Você e seus irmãos são hilários. - Ela parece sincera. - Mas a produção do canal às vezes é um saco. Não conte pra ninguém que eu disse isso.

- Hum... Ok?!

- Certo. Só checando. Seu vôo é no domingo. Tudo certo pra isso também? - Eleanor muda de assunto rapidamente, parece estar com pressa.

- Sim, senhora. - Sorrio, tímido.

- Beleza, Chris. Conto com você. Vamos fazer dar certo. Até mais! ‐ Eleanor desliga antes que eu possa responder.

De repente, me sinto ansioso. Isso é real e vai acontecer. Eu vou ter que me casar. Meu Deus, onde eu fui me meter?

Será Que É Meu Número? • Chris SturnioloOnde histórias criam vida. Descubra agora