CAMUNDA – É o amor da minha vida, bairro onde cresci, onde conheci grande parte dos meus amigos, foi lá onde vivi a minha infância. Vivi nas proximidades do restaurante Bom gosto durante o período de 2008 a 2016, era um dos restaurantes mais populares em Benguela e tinha uma das melhores campanhas publicitárias que a Rádio Benguela produziu. Sem receio de errar, é a melhor publicidade de todos os tempos. Ainda tenho alguns fragmentos da publicidade na memória.
"... Cachucho grelha (na camunda)
Caldo bem gostoso (no bom-gosto)
Sopa quentinha (quero comer)
Ó! Na camunda..."
Eu amava ouvir esta publicidade todas as manhãs, e não era publicidade enganosa, de facto, o restaurante servia a melhor sopa e o melhor cachucho grelhado. Ainda lembro como se fosse hoje, provar a sopa do Bom-Gosto era um luxo, lá no bairro, se quiséssemos impressionar alguém, uma miúda lá do bairro, bastava levá-la no Bom-Gosto, era já meio caminho andado.
Lembro-me do tio Gil e da sua família, que eram os nossos vizinhos. Lembro da Nanda, mulata do bairro. Na verdade, uma boa parte daquela família era mulata, mas os rostos deles estão na memória. A Nanda me lembro muito bem dela, porque naquela época, parece que havia alguma coisa entre ela e o Baptista, meu irmão mais velho, tanto que ele roubava açúcar em casa para dar à Nanda a partir do muro que separava a nossa casa da dela.
Lembro do Nandó, o filho da tia Tatiko – a dona do Restaurante Bom-Gosto. Era um miúdo muito irrequieto, brincalhão, escusado, mas tinha um lado humano dentro dele, tenho boas recordações dele, lembro do dia em que anunciaram o seu falecimento–foi na praia, afogado. Naquele dia todo bairro admirou, ficamos todos tristes com a sua passagem, era muito dinâmico, gostava de entreter as pessoas, a seu falecimento deixou a dona Tatitko arrasada, ela mesma que também já não está connosco, mas que está na memória de todos que frequentavam aquele restaurante e toda a vizinhança.
Lembro do Zé-Diua, do tio Nelito, o mulato da tia Maria, essa, todo mundo conhecia.
Dos meus amigos de infância que hoje já não estão connosco, o Bruno, que a sua alma descanse em paz, o Mia, eu nuca o esquecerá, era inteligente, muito inteligente, infelizmente a morte visitou-lhe muito cedo. Lembro do Hipe, Tare, o Manucho e o Podre, primos e irmãos, estes tinham uma união muito forte, brincávamos muitas vezes no quintal deles, foi na casa deles que assistia à novela malhação e os mutantes, era uma época boa. Lembro do Kamota e dos castigos que recebia do tio Clemente.
Meu amigo Docas, nunca te esquecerei meu irmão, nunca... eu sempre pensei em te homenagear e dizer alguma coisa irmão, lembro como se fosse hoje, eu na fila do banco BAI, a navegar no Facebook, no Feed, vi uma imagem tua e legenda que não entendi, fui para o teu perfil e lá estavam muitos amigos nossos a dizerem que tinhas partido... não aguentei, não consegui segurar as lágrimas naquele momento, aliás, não consigo segurar as lágrimas sempre que penso nisso mo Dredy, saí da fila e sentei no chão e comecei a chorar e até hoje eu choro por ti, sempre que lembro a tua voz no beco que dava acesso a minha casa, você gostava de gritar o meu nome... a última vez que falamos, tinha acabado de chegar do trabalho e querias um livro para ler, pediste empréstimo e eu prometi em dar, só nunca mais te vou dar, meu irmão, mas tens aqui esse trecho neste livro, irmão.
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INTROSPECÇÃO - SETE LITERÁRIO
Short StoryIntrospecção é um conjunto de textos que escrevi há já algum tempo, só estavam guardados no meu bloco de notas. São textos que buscam reflexões sobre a trajetória da vida, sobre o tempo, as memórias da infância e adolescência, dos velhos amigos, dos...