CAPÍTULO 1

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A vista do meu apartamento dava para o mar. Eu não apreciava tal imagem; causava-me enjoo, pois desde que me mudei para cá, a maresia subia, deixando-me tonta com o odor de peixe, algas e mar. Meus sentidos ainda não haviam se recuperado por completo devido aos pesadelos que tive durante a madrugada. Nunca fui de me assustar ou ter medo de assombrações, mas era a primeira vez que sentia arrepios e uma profunda infelicidade por estar sozinha, sem ninguém para me consolar após uma noite de sono tão perturbadora.

Bebi minha água matinal, peguei meu blazer preto e minha bolsa de trabalho e saí de casa sem hesitar, pois precisava trabalhar, mesmo estando em um estado deplorável. Caminhei até o ponto de ônibus; o local onde eu trabalhava era distante e, infelizmente, eu não possuía recursos financeiros suficientes para adquirir meu próprio carro. Um ônibus parou em minha frente e, assim, entrei, segurei em uma das barras acima da cabeça e ouvi a música que tocava no rádio do veículo. Era uma melodia agradável, que permanecia em minha mente todos os dias. Ao ouvi-la, as dores que sentia no peito desapareciam. Eu adorava ouvir aquela música todas as manhãs, e o mesmo motorista, que sempre me emocionava logo cedo, contribuía para isso.

Alguém tocou o sininho exatamente no ponto onde eu desceria. Saí rapidamente e adentrei a empresa com um sorriso no rosto, sem demonstrar qualquer preocupação para os colegas que me conheciam desde jovem.

— Olá, Sooji! — falou a senhora Andi.

Meu rosto mantinha a alegria e minhas mãos acenavam de volta, cumprimentando cada pessoa que passava por mim. Não era falsidade; eu apenas não queria que os outros se preocupassem com o fato de eu estar tão deprimida. Meu sorriso era o mesmo todos os dias, assim como a razão de eu estar me sentindo terrível.

Ao adentrar meu escritório, percebi Nahee com vários papéis nas mãos. Ela não parava de trabalhar nem por um minuto; adorava a sensação de ser útil e ajudar os outros. Nossos olhares se encontraram, e ela veio correndo em minha direção.

— Sooji! Sooji! — ela colocou os papéis em minha mesa.

— Bom dia, Nahee. O que houve?

— O chefe disse a todos que hoje você sairá mais cedo do trabalho… Estava me perguntando o motivo.

Dei um sorriso ladino e joguei meu cabelo para trás, colocando a bolsa sobre a cadeira.

— Hoje eu tenho folga. Todo 25 de março eu saio mais cedo; é como um ritual. Não se preocupe.

— Pensei que fosse um encontro! — Nahee fez uma expressão de tristeza. — Já está na hora de casar. Você já tem 32 anos e nem namorado tem. Use o dia de folga para poder namorar, Sooji!

— Eu não, tenho muitas outras coisas para fazer além de pensar em namorar. Enfim, você tem muito trabalho, não é?

— Isso é verdade… Desculpe ser intrometida. Case quando quiser, não se preocupe. Eu também sou solteira — Nahee falou enquanto pegava as folhas soltas que deixara em minha mesa. — Tchau, boa folga!

Acenei para ela e me sentei na cadeira de escritório. O fato de ser minha folga me deixava empolgada, porque todos os dias, inclusive os finais de semana, eram repletos de tarefas e análises, e era difícil lidar com tudo sozinha.

Coloquei uma folha em minha mesa e transcrevi todas as informações das análises para entregar ao chefe antes de sair. Olhei o relógio e, rapidamente, já eram três horas. Fiz uma cópia do manuscrito, ajeitei a mesa e coloquei o papel no centro, para o chefe ver bem arrumado. Peguei minha bolsa e saí devagar para que ninguém notasse minha saída, pois queria aproveitar a folga o mais rápido possível. A empresa estava silenciosa e, finalmente, senti o vento no rosto ao sair, percebendo que teria que caminhar um pouco até chegar ao meu destino.

Retirei os saltos e calcei tênis para maior conforto. A visão da cidade era diferente; as pessoas trabalhavam até se caírem. Alguns pareciam tristes, outros felizes, mas, em geral, tudo parecia uma grande falsidade. A vida humana é uma ilusão desde o início; fingimos estar felizes, mas não estamos, fingimos estar tristes, mas sequer pensamos na decepção. De longe, avistei Myung Kaeun correndo em minha direção e me dando um abraço.

— Olá, Sooji! Que saudades! Desde a morte de Jaeun, você não nos visita — ela disse, soltando-me.

— Olá, estou bastante ocupada com o trabalho, então não tenho tempo para visitas — respondi, séria.

— Me perdoe, então. Eu apenas acho que Jaeun gostaria que você nos visitasse mais, é bom ver o seu rosto. Por isso, a chamei para este memorial — Kaeun tentou me analisar. — Venha!

— Kaeun, eu não vou entrar. Farei meu memorial sozinha, como sempre. Muito obrigada pelo convite — me curvei.

— Eu não queria apenas falar do memorial com você — ela sussurrou. — Queria discutir sobre os bens que ela deixou. Toda a herança está em seu nome. Minha mãe está lutando para obter tudo isso, já que somos a família, certo?

— Então você me chamou para dividir os bens? Que a justiça me encontre e eu compartilharei cada centavo de Jaeun apenas comigo mesma. Não me importo com o dinheiro que ela me deixou; só não quero que tudo o que minha esposa conquistou caia em mãos erradas. Se me der licença, não desejo conversar com nenhum de vocês — me curvei novamente.

Ajustei a bolsa no braço e continuei meu caminho, deixando Kaeun para trás. Meu objetivo jamais fora confrontar a família de Jaeun; sempre busquei compreender gentilmente pessoas tão problemáticas. Trabalhar com análise não me tornava mais experiente em observar ou sequer consertar alguém. Eu estava perdida, principalmente após saber que havia recebido todos os bens de Jaeun. Nunca procurei saber sobre isso, pois presumia que ela colocaria o nome de sua família no testamento. Jaeun sabia que estava doente e que precisaria fazer um testamento antes de falecer, por isso colocou meu nome. Eu não conseguia mais chorar, pois todas as minhas lágrimas haviam se esgotado em dois anos. Não conseguia entender por que havia ficado tão sozinha no mundo. Sem Jaeun, a vida se tornara mais difícil. Não tinha com quem compartilhar conselhos; ela era bondosa com todos e tentava compreender, inclusive a família que tanto mal lhe fizera.

Peguei o mesmo ônibus de volta para casa. Assim que cheguei ao apartamento, tirei os sapatos, coloquei minha bolsa e blazer e me dirigi ao quarto. Abri a porta e vi uma foto de minha esposa rodeada de várias velas. Verifiquei se a flor que havia comprado estava ali e sorri ao olhar para o rosto de minha amada. Ela era linda, e seu rosto se completava com um sorriso tão forte. Acendi as velas e fiquei de joelhos, fechando os olhos em memória de Myung Jaeun, que merecia ser eternamente lembrada.

Enquanto permanecia ajoelhada, uma onda de memórias me envolveu. Lembrei-me das tardes ensolaradas que passamos juntas no parque, dos sorrisos e das conversas que pareciam não acabar. A ausência de Jaeun era um vazio insuportável, mas, ao mesmo tempo, suas lembranças me fortaleciam. Pensei em como ela sempre acreditou na bondade das pessoas, mesmo quando a vida parecia desmoronar ao seu redor.

Levantei-me lentamente e caminhei até a janela. A cidade se estendia à minha frente, um mar de luzes que refletia a vastidão de emoções dentro de mim. Sabia que, de alguma forma, precisava seguir em frente e honrar a memória de Jaeun não apenas com tristeza, mas com o fato de tentar algo novo ou até mesmo explorar tudo que lhe restou, eu estava ansiosa para saber o que Jaeun guardava e sentia, portanto, me jogo no sofá e durmo até o sol aparecer novamente em meu rosto. 

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