Capítulo 1 - Nascimento

10 2 0
                                    

"Não chora criança!"
Seu corpo balança e o vento bate. Com seu pequeno nariz cheira enxofre e seus olhos ardem no véu da plena noite; a Lua está no vértice do céu e suas estrelas flamejantes escorrem, quase como se se acovardassem em premonição do que está por vir.
A amarração não pode ser vista, mas é sentida em cada músculo e ligamento nervoso. "É coisa de bruxa" Sua mãe dizia em histórias, "Crianças que desobedecem os pais viram comida de bruxa".
Tolo! Nunca acreditou em mitos o menino, mesmo com a pouca idade sempre foi cético. Não vejo, então não creio. Isso o traria problemas na catequese nos futuros anos, problemas com a igreja, seria chamado de herege, pagão, bruxo... Seria, se sobrevivesse a esta noite.
Ouve sussurros de vários teores, amedrontados, excitados, desconfigurados... Sua visão se limitava ao pequeno pedaço de horizonte em que seus olhos congelados miravam. Há apenas o vasto. Sem árvores, sem casas, sem seu vilarejo; ou qualquer vilarejo que seja. A noite encosta nos ínfimos montes ao longe e forma uma ponte, uma ponte para o além.
Criança é criança a todo momento, mas especificamente agora o menino divaga como adulto. "Onde estou?", "Como eu vim parar aqui?", "Cadê minha casa?", "Eu estava em minha cama agora a pouco...". Seus pensamentos provocam risos controversos da plateia atrás dele.
Palavras que ele não entende começam a ser entoadas, quase que como uma brincadeira de infância. Se antes as reações das vozes eram controversas, agora parecem ter finalmente chegado a um consenso, e de pouco em pouco todas se unem e entoam em uníssono o cântico estranho.
Sua atenção lentamente pesa para o céu, como se um transe o envolvesse. Pobre menino. O céu de uma Lua cheia escurece. Uma fogueira de madeira viva dá seus primeiros estalos e o barulho machuca seus ouvidos.
A agitação aumenta e o vento que corre sibilante força a entrada por todos seus poros. "É de morte", mesmo tendo apenas 6 anos o menino sabia discernir o tal; nasceu na época da praga negra, e esse era o cheiro.
As estrelas, numerosas no céu, começaram a se esvair. O escuro domina todo o horizonte.
Um ponto incandescente surge de longe. As vozes se calam e tudo que o garoto pode ouvir é o trepidar da lenha.
Aos poucos se revela uma figura, um peregrino desajeitado.
Ele percebe que está em pânico, e seu coração bate mais rápido à medida em que a sombra luminosa se aproxima. Dois grandes e adornados chifres apontam de sua cabeça, o barulho de cascos estalando contra o ríspido chão de cascalho e olhos de cabra foram tudo que ele observou.
É a coisa mais bela que já tinha visto em sua vida. É mais belo do que os rochedos ao longe de sua casa, os cabelos pretos de sua mãe, o riacho que corria ao lado de sua casa.
Era o pai de todas as bruxas, o anjo.

A Bruxa de GoyaOnde histórias criam vida. Descubra agora