01

484 47 42
                                    

Outubro de 2017

Soraya Vieira

Se morar com os pais normalmente já é uma situação desgastante quando adolescente, imagina continuar morando com eles depois de adulta e com trinta e quatro anos? Sim, trinta e quatro anos e ainda morando com os pais. Nunca imaginei que iria viver isso, mas aqui estou, embaixo do mesmo teto que meu velho e minha velha. Minha situação financeira não estava muito boa. Não tinha mais condições de bancar um apartamento sozinha, e olha que tinha apenas um quarto, cozinha e banheiro. A única solução foi voltar a morar com os meus pais, até que essa situação melhorasse, pensei com trinta e dois.
  É... Já faz dois anos.
Estou há dois anos morando com os meus pais, depois de ter tido uma experiência de quase dez anos sem conviver com eles no mesmo local, antes isso fosse coisa boa, mas de fato não era. Constantemente, minha mãe fazia questão de me lembrar desse enorme favor que os dois faziam por mim, me deixando mal por estar nessas condições. Sem emprego fixo, sem relacionamento sério, sem interesse algum por nada, vivia brincando pela casa com a minha melhor amiga e filha, Claire Deusdete, uma cadela da raça Yorkshire Terrier. Deusdete era de pelagem mista, nas cores azul aço e dourado. É a paixão da minha vida.
 Então vamos por partes, começando pelos meus pais.
Fabiano, beirando sessenta e cinco anos, com sua esposa Meire, de sessenta anos, eram donos de uma rede de supermercados chamada "Lar do povo". Papai tinha cabelos loiros, mas já estavam praticamente todos grisalhos devido à idade, diferente de mamãe, que ainda coloria o cabelo na cor preta, os quais eram curtos na altura das orelhas, e ambos possuíam olhos em um tom âmbar. Quando jovens, tudo que os dois mais desejavam para seus futuros era que seus filhos assumissem, algum dia, as responsabilidades da rede e administrassem seus mercados.
Isso deu certo com o meu irmão mais novo, Paulo, mais conhecido como Paul, que sempre foi tratado como um rei por nossa mãe. Com os cabelos castanhos claros, olhos da mesma cor e de alta estatura, Paul tinha apenas trinta anos, mas já era casado e tinha uma filha de três anos, a pequena Laura. Era o orgulho da dona Meire. E lógico, como todo bom irmão mais novo, adorava implicar com a irmã mais velha, ou seja, comigo. Principalmente por ele ter  uma condição financeira melhor e mais estável. Logo, não seria diferente neste jantar em família...
  
  — Como foi seu dia lá no mercado hoje, meu filho? — perguntou nossa mãe enquanto servia o prato de Paul, que estava sentado de frente a mim e ao lado do nosso pai. A mesa era para quatro pessoas mesmo e nos acomodava até que bem, nos dias que a família do mais novo não o acompanhava. E, para completar, Deusdete estava deitada nos meus pés, como de costume.
 
   — Ah, você sabe mami... — começou Paul a explicar e eu a rir ao ouvi-lo se referir a mãe daquela forma, o que acabou chamando a atenção dos outros três, mas ele acabou ignorando. - O de sempre: muito trabalho.
  
   Meire terminou de servir o prato dele e sorriu com aquela resposta. Era inevitável não reparar nela por um instante. O rosto já tinha marcar de expressão e algumas poucas rugas, devido a sua idade, e não deixei de sorrir com aquilo, mesmo que só eu entendesse o motivo. Por mais que agora estivesse sendo o segundo ano morando com os meus pais, antes, nos dez anos que morei longe, não costumava vê-los com frequência, então em qualquer momento que algo chamasse minha atenção, sempre notava algo de diferente em ambos e sempre pensava em como era bom estar perto da minha familia de novo. Mesmo que às vezes eu detestasse tanta proximidade. "Trinta e quatro anos e morando com os pais" - isso me perseguia muito. Ainda mais com momentos como esse

     — E o seu dia, Soraya? perguntou Paul em um clare tom de provocação, fazendo-me desviar o olhar de mamãe, quando ela me avistou, obrigando-me a encarar meu irmão no lugar

   — Nada de novo sob o sul respondi rapido já desviando o olhar. A mãe, por outro lado, respirou fundo sem esconder incômodo com essa situação.

De Frente Para o Amor - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora