Capítulo único

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Minha vida parece cada vez mais miserável.

Sou um indivíduo medíocre de meia-idade. Não tenho família, não tenho esposa, não tenho filhos. Moro em uma grande metrópole do país e tenho um emprego maçante. Sou contador uma firma média no centro. Não sou líder de departamento, não sou incumbido de grandes responsabilidades, meu rendimento não é ruim nem bom.

Meu chefe é um sacana depravado. Sinto pena das estagiarias e das secretárias. Não poucas vezes vi-lo ameaçando-as demissão em troca de favores. Todos sabem disso, todos veem, todos já presenciaram, mas ninguém teve coragem de fazer algo — nem eu.

Ele me achaca também. O horário estipulado contratualmente é o padrão 8 horas diárias, mas somos obrigados regularmente fazermos horas extras. Ele não nos ameaça diretamente, claro, mas o último que se negou a fazer foi demitido dias depois.

Eu não ganho muito bem. Claro, para o padrão de um país pobre, não é mal; mas, com o que recebo mal consigo pagar o aluguel do meu apartamento, as parcelas do meu carro e os gastos básicos.

Passo muito tempo no trânsito. Uma hora e meia de trajeto, três horas totais ao dia. O trânsito desse lugar é péssimo, sempre há acidentes, e a violência é tamanha que não raras vezes posso ver assaltos e furtos pela janela do carro. As pessoas são enredadas e vivem em constante insegurança em sua própria cidade.

Ouço muito sobre isso quando estou no carro, notícias ruins, política. Não consigo ouvir coisas melhores, não consigo empreender minha atenção em coisas mais complexas e que demandam raciocínio profundo, coisas abstratas. Uma vez tentei. Costumava gostar de História e coisas antigas; são coisas com poder de formar nosso imaginário, como vemos as coisas — ouvi alguém falando isso. Mas há muito tempo minha mente parece ter se tornado informe, gelatinosa, bege e sem vida.

Acho que não sou mais a mesma pessoa.

Digo, é nítido, claro, pode me dizer; mas num campo externo, superficial, era um fato. O que tenho agora é uma apreensão íntima, que toca minha alma, uma compreensão profunda e pujante.

Essa cidade me mudou. Tudo é frio e sem vida. Concreto e tijolos e pessoas para lá e para cá. Pessoas tristes e melancólicas — e essas são as melhores. A maioria é impassível e inexpressiva. É o dinamismo, é a produtividade, secura da alma. É deserto populoso. Muita gente, pouca vida.

Para você pode parecer bobo, mas para mim é estranho.

Sou de uma cidade pequena do interior. Lá há campos, árvores e céu azul; há matas, há bichos, há brisa. A vida não era rica, era de emprego na fábrica, na farmácia, na padaria, na fazenda. Mas também de almoço de vó, jantar em família, namoro de escola, beijo atrás da igreja, festa tradicional. Vida com vida.

Sinto saudade, às vezes. Lá ainda resta comunidade, afeto e perenidade.

Hoje a vida é triste. Sou isolado e não tenho amigos, só saio para o trabalho. Quando chego em casa, o torpor do fundo do cérebro cresce e vem à tona, me encobre por completo.

Viver dói. Minha mente não é mais capaz de focar em nada. Antes, na minha juventude, eu lia, lia bastante, me interessava pela vida de grandes pessoas, me interessava pela capacidade que elas tinham de exercer criação, de alterar o estado das coisas. Hoje minha mente fraqueja e minha vontade é lassa. Não sou capaz de me impor.

Mencionei meu chefe. Por que não consigo fazer alguma coisa, reagir? Sinto medo, medo demais. Medo do quê? Não sei. Quando quero ter um papel ativo na vida, sinto ele crescer de dentro para fora, lentamente, tomando meus braços e pernas e mãos, tremendo e tremendo. O peito aperta, a voz falha, a mente escorrega. Por que sou tão fraco? Não posso resistir.

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