Sentia a vida crescer em mim como a água de um lago interior que sobe e transborda; meu sangue corria com força nas artérias e a minha juventude, comprimida durante tanto tempo, explodia de repente como o aloés que leva cem anos para florir e que desabrocha com um ruído de trovão.O que fazer para rever Mingi? Não tinha nenhum pretexto para sair do seminário, nem conhecia ninguém na cidade; sequer deveria permanecer lá muito tempo, pois esperava apenas que me designassem a paróquia que deveria ocupar. Tentei, então, quebrar as grades da janela; mas a altura era vertiginosa e, como não havia nenhuma escada, a ideia teve de ser abandonada. Além disso, só poderia sair de noite; e como me orientaria no inextricável dédalo das ruas? Todas estas dificuldades, que não representam nada para os outros, eram imensas para mim, pobre seminarista, recém-apaixonado, sem experiência, sem dinheiro e sem roupas.
Ah! Se não fosse padre, poderia vê-lo todos os dias, teria sido seu amante, dizia para mim mesmo, na minha cegueira. Em vez de estar envolvido no meu triste sudário, teria roupas de seda e de veludo, correntes de ouro, uma espada e plumas, como os jovens e belos cavaleiros. Meus cabelos, em vez de serem desonrados pela tonsura, cairiam encaracolados em volta do meu pescoço. Usaria um belo bigode, seria um bravo. Mas uma hora passada diante de um altar e algumas palavras articuladas separavam-me para sempre do resto dos mortais. Eu mesmo havia selado a pedra do meu túmulo! Eu mesmo havia fechado a porta da minha prisão!
Fui até a janela. O céu estava admiravelmente azul, as árvores tinham vestido os seus trajes de primavera; a natureza ostentava uma alegria irônica. A praça estava cheia de gente; uns iam, outros vinham; rapazes e moças, aos pares, dirigiam-se para os jardins e para os caramanchões. Grupos passavam, entoando canções; um movimento, uma vida, uma animação, uma alegria que faziam ressaltar mais penosamente ainda o meu luto e a minha solidão.
Não pude suportar esse espetáculo; fechei a janela e deixei-me cair sobre a cama, com o coração repleto de um ódio e de uma inveja terrível, mordendo os dedos e as cobertas como um tigre que não comesse há três dias. Não sei quantos dias permaneci assim; mas, ao virar-me, num movimento espasmódico e furioso, vi o abade Seonghwa, de pé no meio do quarto, observando-me atentamente. Tive vergonha de mim mesmo e, deixando cair a cabeça sobre o peito, escondi os olhos com ambas as mãos.– Yunho, meu amigo, está acontecendo algo de extraordinário com você — disse-me Seonghwa, depois de alguns minutos de silêncio – a sua conduta é verdadeiramente inexplicável! Você, tão piedoso, tão calmo e tão doce, agita-se na cela como se fosse um animal selvagem. Tome cuidado, meu irmão, não dê ouvidos ao demônio; o espírito maligno, irritado porque você se consagrou para sempre ao Senhor, anda à sua volta como um lobo, num último esforço para atraí-lo. Em vez de se deixar abater, meu caro Yunho, construa uma couraça de orações, um escudo de mortificações, e combata corajosamente o inimigo; você o vencerá. A provação é necessária à virtude e o ouro sai mais fino do cadinho. Não tenha medo, nem esmoreça; mesmo as almas mais protegidas e fortes tiveram momentos de fraqueza. Reze, jejue, medite, e o espírito do mal se retirará.
As palavras de Park fizeram-me ver o estado em que me encontrava e consegui acalmar-me. – Vinha anunciar-lhe a sua nomeação para a paróquia. O padre que lá se encontrava acaba de morrer e o senhor bispo encarregou-me de instalá-lo; esteja pronto para partirmos amanhã – Respondi-lhe com um sinal de cabeça e o abade retirou-se. Abri o meu missal e comecei a ler as orações, mas as linhas logo se confundiram diante dos meus olhos; o fio das idéias emaranhou-se no meu cérebro e o livro escorregou das minhas mãos, sem que eu percebesse.
Partir no dia seguinte sem tornar a vê-lo! Acrescentar mais uma impossibilidade a todas as outras! Perder para sempre a esperança de reencontrá-lo, a menos que acontecesse um milagre! Escrever para ele? E quem iria entregar-lhe a carta? Na sagrada posição em que me encontrava, com quem poderia me abrir? Em quem confiar? Senti uma terrível ansiedade. Depois, o que o abade Seonghwa me dissera sobre as artimanhas do diabo voltava-me ao espírito. A estranheza da aventura, a beleza sobrenatural de Mingi, o brilho fosfórico dos seus olhos, a marca da sua mão em brasa, a perturbação em que me lançara, a mudança súbita que tinha se operado em mim, tudo isso provava claramente a presença do demônio, e a mão de cetim talvez não passasse da luva com que cobrira suas garras.
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Entre Rosários e Presas - Yungi
Teen FictionEm uma vida dedicada à moderação do celibato e da castidade, o jovem padre Jeong Yunho sempre se viu como um guardião da fé e da pureza. No entanto, nenhum treinamento o prepararia para o desafio supremo: o amor. Quando ele conhece Mingi, um sedutor...