иο мє ѕυєℓτєѕ

I

Helena despertou ao escutar o canto do galo. Ela costuma levantar-se ao pôr do sol para iniciar um novo dia. Como a primeira a acordar, ela se dirige ao banheiro que fica fora da casa para lavar o rosto. Inicia pegando a farinha de mandioca para fazer a tapioca e colocando a massa pronta em uma panela de barro para que esteja no ponto na hora dos outros acordarem. Para finalizar, resolve preparar um café bem forte para que todos estejam dispostos a começarem o dia.

Helena nasceu em um interior pobre, que fica longe da cidade e algumas pessoas usam carroça para se locomoverem para a capital para comprarem e venderem produtos nos mercados e comércios. Ela é a única filha de três irmãos e a única mulher da família, já que sua mãe a abandonou quando era criança. Até hoje nunca compreendeu o verdadeiro motivo pelo qual ela foi embora. Sempre que perguntava ao pai e aos irmãos, nenhum deles lhes respondia à verdade. Apenas diziam que se cansou da pobreza e fugiu com outro homem para tentar a sorte na capital, deixando o marido e os filhos para trás sem nenhum arrependimento.

Entretanto, ela nunca acreditou nessa história, sua intuição a indicava que sua mãe havia se mudado por um motivo muito mais forte, o qual ela terá que investigar. Como poderia ter mais informações se ninguém lhe fala sobre o assunto? E quando toca, todos preferem fugir, inventando desculpas falsas? Entretanto, ela nunca perdeu a fé e a esperança de um dia reencontrar-se com ela e esclarecer todas as dúvidas e poder estar próxima dela novamente. O afeto de uma mãe faz falta no ambiente em que vive, sobretudo porque ela está se desenvolvendo e se tornando uma mulher.

Não possui amizades, mas é familiarizada com a maioria dos trabalhadores que trabalham na fazenda Santa Guadalupe, onde ela auxilia na colheita e plantio de arroz. Atualmente, é bastante comum ver mulheres fazendo o mesmo tipo de trabalho que os homens para sobreviverem. Desde pequena, ela é obrigada a trabalhar com o pai e os irmãos para evitar a fome, o que a impediu de brincar com outras crianças da pequena comunidade. De acordo com eles, "a mulher nasceu para trabalhar, não para ficar em casa de bobeira sem fazer nada".

— Cheirinho bão de café. - João na cozinha simples, aparentando cansaço, e abraça Helena.

— Já tá tudo feito, Jão. - Helena fala, sentada sobre a mesa para se servir. Enquanto tenta servir o café, ela observa o irmão, que permanece com os olhos fechados. — Jão, tu tá derramando o café na tuas calça! - Ela tira a leiteira de suas mãos.

— Discurpa, Heleninha. É que ando com tanto sono que estou quase dormindo no serviço. - Ele observa as calças molhadas de café e levanta-se em direção a um dos quartos. — Vou ali trocar as calça e já vorto.

— Pra quê diabo vai trocar as calça se vai pra roça?

— Como sou jumento! - Ele bate na testa e retorna para a mesa. — É mior eu tomar um café bem forte pra eu acordar porque tem muito serviço na frente. 

João é o segundo filho entre os três irmãos, tendo três anos a mais de diferença que Helena. Eles são amigos íntimos e compartilham bastante sobre pássaros, animais silvestres e seus anseios. Ele é o mais sensível e sempre ouve as pessoas ao seu redor. Mas o pai considera isso uma fraqueza, pois um homem de verdade deveria ser corajoso e bruto.

Ele tem um grande amor por Linda, a filha mais nova do proprietário da fazenda, mas nunca teve a coragem de contá-la, pois não deseja se sentir envergonhado por ter um amigo pobre e incapaz de se comunicar adequadamente. Em todas as noites, eles se encontram às escondidas para conversar e admirar as estrelas. O sentimento de inferioridade o faz tentar afastá-la dos seus pensamentos e a considerá-la apenas como uma amiga, mas não consegue afastá-la do seu coração. O amor é mais intenso e, a cada dia, se sente mais sufocado por continuar escondendo esse sentimento.