| Capítulo I |

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Um zumbido ecoava em meus ouvidos, trazendo consigo uma dor insuportável que martelava em minha cabeça. Demorou alguns instantes para que as memórias embaralhadas começassem a fazer sentido, entretanto ainda faltavam algumas partes do quebra-cabeça.

Enquanto meus instintos gritavam "levante e fuja", meu corpo resistia, estava tão pesado quanto uma pedra, atrasando-me a levantar.

Minhas íris vagaram pelo lugar, um quarto estéril de hospital, impregnado com o aroma característico de desinfetante. As paredes pintadas de branco refletiam a luz fluorescente, destacando a solidão que permeava o ambiente. Equipamentos médicos silenciosos observavam silenciosamente, enquanto a monotonia do espaço ecoava a ansiedade que pairava no ar.

- Droga.

Assim que minha cabeça parou de girar, me levantei para ir embora daquele ambiente sufocante. Coloquei os pés no chão e logo após os firmei para me levantar; minha voz vacilou, deixando escapar um grito entre meus lábios. Meus joelhos colidiram no piso gelado, tão rápido e forte que mal notei as lágrimas formando-se em meus olhos; não tinha forças o suficiente para me manter em pé facilmente.

- Tá explicado... - Murmurei quando notei um acesso no meu braço, espetando minha veia.

Antes mesmo que eu fizesse esforços para me levantar, a porta se abriu revelando uma enfermeira que, assim que me avistou caída no chão, correu até mim aparentemente preocupada.

- Não faça esforços desnecessários. - esticou os braços em minha direção para me ajudar; aquela ação repentina me aterrorizou, fazendo meu corpo reagir por instinto. Eu a empurrei para longe de mim. Assisti a enfermeira recuar um passo para trás; eu estava em um estado tão deplorável que não consegui afastá-la. - Tudo bem, me deixe te ajudar.

- Não pedi ajuda! Preciso ir embora! - O tom da minha voz elevou-se, a tentativa de assustar a enfermeira bondosa foi falha, ela não vacilou nem por um momento, foi notável que já estava acostumada com esse tipo de situação.

- Você pode ir embora depois que estiver recuperada, no momento você precisa descansar. - Explicou calmamente esperando que eu compreendesse a situação em que me encontrava, mas minha teimosia não permitia ter qualquer tipo de gentileza, olhei-a com desconfiança e, com esforço, apoiei meus cotovelos no colchão da cama, me sentando lentamente.

- Eu não tenho tempo pra melhorar. Ele vai me encontrar, estou marcada. - O desespero em minha voz continuava ali, enraizado e selado enquanto meu corpo dolorido protestava contra cada movimento.

- Você está segura aqui. - Assegurou ela enluvando suas mãos e pegando uma seringa. Com movimentos cuidadosos a hábil enfermeira transferiu o líquido de uma pequena ampola para o injetor e não demorou para caminhar na minha direção.

- Assim como eu estava segura quando me levaram? O que escapa da sua compreensão? - Meu corpo tremia incontrolavelmente, o medo do desconhecido se infiltrando em cada célula. A mulher à minha frente segurava a seringa com determinação, pronta para aplicar a agulha no acesso. Sua calma inabalável a fazia parecer um monstro, mais assustadora a cada passo que dava em minha direção.

- Só vai doer um pouquinho...

Aquelas palavras saíram tão dóceis de seus lábios, mas minha mente de alguma maneira conseguiu distorcer, afogando-as em veneno. Eu não enxergava nada além do perigo constante. Apeguei-me àquele medo, transformando-o na única coisa que me manteria segura.

- Isso vai te ajudar a dormir.

- Eu não preciso dormir! Fique bem longe de mim com isso. - Cuspi as palavras quase como uma ameaça, e surpreendentemente a enfermeira sorriu calorosamente.

- Fique calma. - Contra minha vontade, a agulha foi inserida no acesso em meu braço, o líquido que antes repousava na seringa agora se espalhava por minhas veias. Meu sangue ferveu, a raiva tomou conta de meus sentimentos. Se eu não estivesse drogada e impotente teria pulado em cima da mulher, tudo que eu desejava era fazê-la pagar por não me escutar. - Viu? Está tudo bem, é só um sedativo.

Eu sorri falsamente enquanto a mulher jogava as luvas e a seringa no lixo próximo a porta, sua ignorância me dava enjôo mas não havia o que fazer além de esperar. Assim que a enfermeira deixou-me sozinha, agarrei o acesso e o puxei, tirando-o de meu braço. Algumas gotas de sangue pingaram no lençol, sujando o tecido branco de carmesim. A dor não me abalou, o que me enfureceu foi o fato de que escapar dali seria uma tarefa difícil.

- Você pode enfiar esse sedativo em outro lugar. - Com passos desleixados caminhei até a porta, a abri e espiei o corredor. Estava vazio e silencioso, nada mais do que se esperar de um hospital.

Analisei o lugar cautelosamente, procurando por possíveis ameaças à minha fuga. Contudo, o único problema era eu mesma. Aqueles sedativos estavam fazendo efeito, deixando-me incapaz de usar qualquer habilidade que eu conhecia. A ideia de pular da janela passou pela minha cabeça; alguns ossos quebrados não se comparavam ao que aconteceria caso eu fosse encontrada. No entanto, ao ver o quão alto eu estava, descartei essa ideia rapidamente.

Com passos desleixados e a visão embaçada, saí do quarto e entrei no corredor. As luzes fluorescentes zumbiam de forma incômoda, intensificando a dor que ainda martelava em minha cabeça. O ambiente parecia se esticar e contrair, como se as paredes respirassem. A cada passo, a tontura ameaçava me derrubar, mas eu me forcei a continuar.

O hospital estava estranho e vazio. O silêncio era perturbador, quebrado apenas pelo som distante de equipamentos médicos e vozes abafadas de profissionais trabalhando. A cada cruzamento de corredores, eu me forçava a tomar decisões rápidas, apesar da mente nebulosa. Evitei as áreas mais movimentadas, confiando em minha intuição para me guiar.

A cada passo, minhas pernas tremiam mais. Uma náusea crescente ameaçava me derrubar, mas a adrenalina e o medo me empurravam adiante. Passei por um balcão de enfermagem deserto, onde prontuários e objetos diversos estavam espalhados. Peguei um jaleco pendurado na cadeira, na esperança de me misturar e parecer menos suspeita.

Vesti o jaleco com dificuldade, os dedos trêmulos demorando a fechar os botões. Meu coração batia descontrolado, e minha respiração estava pesada. Continuei em frente, tentando encontrar a direção da saída. No final de um corredor, avistei uma placa indicando a das escadas.

Desci os degraus lentamente, segurando o corrimão para manter o equilíbrio. Minha visão escureceu por alguns segundos, e precisei parar para recuperar o fôlego. Cada degrau parecia um obstáculo imenso, mas a determinação de escapar me mantinha em movimento.

Finalmente, alcancei o térreo. O ambiente ali estava um pouco mais movimentado, mas a maioria das pessoas parecia ocupada com suas próprias tarefas. Tentando parecer o mais natural possível, caminhei em direção à saída de emergência. A porta de metal pesada parecia uma barreira insuperável, mas eu a empurrei com toda a força que me restava.

A brisa fria da noite me atingiu como um choque. Do lado de fora, a escuridão oferecia um manto de proteção, mas também escondia perigos. Meus olhos demoraram a se ajustar, e eu tropecei nos primeiros passos, quase caindo no chão.

Enquanto eu olhava para trás, me certificando de que não havia ninguém me seguindo, esbarrei em alguém. Um garoto com íris tão escuras que lembravam buracos negros. Suas olheiras fundas denunciavam seu cansaço, e, mesmo exausto, ele me analisava em silêncio como se eu fosse uma peça de quebra-cabeça colocada no lugar errado. Felizmente as peças começaram a se encaixar e eu pude lembrar vividamente de cair em seus braços deixando o sangue sujar suas vestes e, com um último murmúrio implorar por socorro.

𝐏𝐄𝐑𝐃𝐈𝐃𝐀 𝐍𝐀 𝐒𝐔𝐀 𝐈𝐑𝐈𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora