• CAPÍTULO 01

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QUARTA-FEIRA, 01° MAIO

108 DIAS ATÉ PODER IR EMBORA


Algumas pessoas nasceram para contar histórias. Elas sabem como descrever a cena, encontrar o ângulo certo, quando fazer uma pausa dramática ou pular detalhes inconvenientes.

Eu não teria me tornado bibliotecária se não amasse histórias, mas
nunca fui muito boa em contá-las.
Se eu ganhasse um centavo a cada vez que já interrompi algo que
estava contando para me perguntar se tinha mesmo acontecido em uma
terça-feira, ou se na verdade era em uma quinta-feira, teria no mínimo
uns quarenta centavos, e isso é tempo demais da minha vida sendo
desperdiçado por tão pouco.
Taehyung, por outro lado, não teria recebido um centavo sequer e teria
audiência cativa.

Eu adorava especialmente quando ele contava a nossa história, do
dia em que nos conhecemos.
Era fim de primavera, três anos atrás. Morávamos em Richmond na
época, e apenas cinco quadras separavam o apartamento elegante dele,
reformado em estilo italiano, do meu - uma versão desgastada e não
exatamente chique do mesmo tipo de lugar.

Eu estava voltando do trabalho para casa e resolvi cortar caminho
pelo parque, algo que nunca fazia, mas o clima estava perfeito. E usava
um chapéu de aba molenga, o que também nunca fazia, mas minha mãe
tinha me mandado o chapéu de presente na semana anterior e eu achei
que devia pelo menos tentar usar. E estava lendo enquanto caminhava -
hábito que já tinha jurado deixar de lado, porque quase provocara um acidente de bicicleta fazendo a mesma coisa uns dias antes -, até que
de repente uma brisa morna fez meu chapéu sair voando por cima de um
canteiro de azaleias. E aterrissar bem aos pés de um homem lindo e
loiro.

Taehyung dizia que isso tinha parecido um convite. E acrescentava, rindo,
em um tom quase autodepreciativo:
- Eu não acreditava em destino, até aquele dia.
Se foi mesmo obra do destino, então é razoável presumir que o
destino não vai muito com a minha cara, porque, quando me abaixei
para pegar o chapéu, outra rajada de vento o fez voar de novo - eu saí
correndo atrás e colidi com a lata de lixo em que ele foi parar.

Daquelas de metal, presas no chão.
Meu chapéu aterrissou em uma pilha de restos de lo mein e eu fui
parar no chão, arfando, depois de ser atingida nas costelas pela borda da
lata de lixo. Taehyung descrevia a cena como "atrapalhada e muito fofa".
Ele deixava de fora a parte em que eu soltei uma sequência de
palavrões em alto e bom som.
- Eu me apaixonei pela Lalisa no momento em que olhei do
chapéu para ela - dizia Taehyung, sem mencionar os pedaços de macarrão
que foram parar no meu cabelo.
Quando ele me perguntou se estava tudo bem, respondi:

- Eu matei um ciclista?
Taehyung achou que eu tivesse batido a cabeça. (Não tinha, só não sei
causar uma boa primeira impressão.)
Ao longo dos últimos três anos, Taehyung desencavou a Nossa História
cada vez que teve uma chance. Eu tinha certeza de que ele iria
mencioná-la nos votos da cerimônia de casamento e no discurso que
faria na festa.

Mas então veio a despedida de solteiro dele e tudo mudou.
A história virou para outro lado. Encontrou um novo ponto de vista.
E, nesse novo jeito de contá-la, eu não era mais a protagonista feminina.
Em vez disso, me tornei a complicação insignificante que seria usada
para sempre a fim de tornar a história deles mais interessante.

Lalisa Monoban, a bibliotecária que Taehyung resgatou do lixo, com
quem quase se casou e então dispensou depois da despedida de solteiro
para ficar com Jennie Ruby, sua "melhor amiga" "platônica".
Mas a verdade é: quando é que ele precisaria contar a história deles?
Todo mundo que convive com Kim Taehyung e Jennie Ruby conhece a
história: os dois se conheceram no terceiro ano, quando foram forçados
a se sentar em ordem alfabética na sala de aula, e se aproximaram por
causa do amor em comum por Pokémons. Logo depois, as mães deles se
tornaram amigas, quando acompanharam a turma da escola em uma
excursão ao aquário, e os pais em pouco tempo seguiram o exemplo das
mulheres.
Ao longo dos últimos vinte e cinco anos, os Kim e os Ruby
viajaram juntos nas férias. Eles comemoravam aniversários juntos, e os
almoços de Natal reuniam as duas famílias - que tinham porta-retratos
artesanais decorando suas casas com fotos em que os rostos radiantes de
Taehyung e Jennie se erguiam acima de alguma versão da frase melhores
amigos para sempre.
Taehyung me dizia que a mulher mais linda que eu já vi na vida era mais
prima que amiga dele.

O Plano Imperfeito-liskookOnde histórias criam vida. Descubra agora