BOCA É BOCA

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Aquela deveria ser uma noite feliz. Sim, completamente feliz! Mas agora, perambulando pelas ruas de São Paulo, naquele frio desgraçado, Kelvin chegava à difícil, mas incontestável, conclusão: Aquela era sem dúvida a pior noite de sua vida. 

Pensando bem, não só a noite, o dia inteiro podia ser embolado e jogado no lixo.

.°:•

Naquela manhã...

— Hey, porque saiu tão cedo? — disse se aproximando do moreno de cabelos bem arrumados, abraçando-o por trás — Podíamos ter vindo juntos...

— Kelvin! 

O rapaz se afastou rápido do abraço, olhando para os lados e colocando entre eles uma distância muito maior do que o necessário. Um espaço que seria estranho mesmo se fossem apenas conhecidos. 

O que não era o caso. 

— Já falei para não fazer isso em público!

Automaticamente Kelvin se encolheu, culpado. Ele estava sempre tão animado que geralmente nunca se lembrava que em lugares públicos deveria se aproximar do rapaz apenas como um colega de curso. E esse era o motivo da maior parte das brigas entre os dois.

Em quase oito meses juntos, apenas os amigos próximos de Santana sabiam de seu relacionamento com o aspirante a músico, afinal, o jovem cantor não era assumido para a família e amigos, alegando constantemente que não estava pronto para enfrentar os preconceitos que viveria caso assumisse um relacionamento homossexual.

E Kelvin entendia aquela preocupação. Assumido gay desde os quatorze anos para família e amigos, já havia enfrentando muitas palavras ofensivas e até alguns bullyings que quase chegaram a agressão física quando ainda era adolescente. Ele, melhor do que ninguém, sabia que não era fácil se expor daquele jeito, principalmente porque suas roupas e acessórios, para a maioria das pessoas, era o estereótipo perfeito de um homem gay e isso infelizmente ainda despertava muito ódio gratuito.

— Desculpa... — começou envergonhado — Eu estava empolgado e,..

— Você está sempre empolgado! — interrompeu baixo, porém irritado. O campus ainda estava vazio, mas o rapaz não arriscaria ser ouvido por curiosos de plantão — Sério, precisa chegar sempre tão... Saltitante?!

— Eu sou assim. — falou baixo sentindo a garganta se fechar.

Era tão cansativo lidar com as várias facetas de seu namorado...

Em público, o rapaz era quase sempre desagradável. O ignorava na maior parte do tempo, andando sempre com seus amigos do time de futebol ou então, fingindo uma relação superficial de coleguismo por fazerem o mesmo curso de Administração. Nas manhãs e tardes presos naquela universidade, seu namorado ria das piadas idiotas, machistas e muitas vezes homofóbicas que os amigos contavam, sendo ele próprio muitas vezes a fazê-las.

Mas quando estavam sozinhos, como havia sido na noite anterior, aquele rapaz detestável  sumia e dava lugar a um homem gentil e atencioso com Kelvin. Ele elogiava o loiro o tempo todo. Suas roupas e principalmente falta delas, beijava a boca coberta por gloss tentando adivinhar o sabor do brilho labial do dia, e nunca, nunca desgrudava um segundo de seu corpo. Até mesmo pra dormir, ele o fazia  sempre agarrado ao menor.

Sozinhos, o rapaz desprendia toda a sua atenção para fazer Kelvin sorrir.

Okay, talvez nem toda.

Pelo menos não nos últimos tempos, mas havia uma boa explicação para isso. Seu namorado ultimamente andava sem tempo porque todo o seu empenho está voltado para o celular que, há semanas, vinha recebendo chamadas impossíveis de serem ignoradas. Ligações importantes, todas referentes aos pequenos shows que tem feito pela região.

1 Plano (quase) PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora