A Ganância Queima

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Na floresta Nebulosa o cheiro de madeira queimada usurpava o reinado do ar puro pertencente as folhagens do reino vegetal.

Em meio a devastação cinzenta deixada pelo fogo, um jovem tropeçava na grama ainda restante, suas pernas fraquejando o levaram ao chão antes que sua mente pudesse raciocinar uma forma de evitá-lo.

Um rosnado, que fez até mesmo o chão estremecer, traz ao jovem exausto a compreensão de que sua jornada para os reinos do pós-vida estava prestes a começar.

Passos da besta ancestral ressoavam no chão, letárgicos se comparados ao coração disparado do jovem, acompanhados pelo cheiro ferroso do sangue da horda de assassinos que a fera havia aniquilado.

Verraz olhou para a floresta, à sua frente, um quadro intocado pela devastação atrás de si.

Ele se arrastou pela grama, ouvindo o ressoar do canto dos pássaros, quer estivessem alheios ao perigo que os rondava, quer apenas o ignorassem, a suavidade daqueles sons lhe inspirava a se esforçar pela sobrevivência, por poder apreciar um pouco mais daquela paz que as aves desfrutavam.

Sem notar os passos que mal soavam na grama macia, Verraz se surpreendeu ao perceber um clarão de luz branca ofuscar o verde da grama. 

O cheiro de lavanda fresca purificou a violência do odor do sangue. Com olhos maravilhados, ele percebeu a fumaça da queimada ser substituída pelo farfalhar das asas de inúmeras borboletas-azuis.

Os olhos cinzentos do príncipe se dilataram de surpresa, enquanto ele se virava a tempo de ver uma jovem caminhar tranquilamente até o dragão, sua capa balançava incapaz de permanecer alheia a magia assim como os cabelos brancos como a luz da lua.

O séquito de borboletas buscava o corpo da fera gigantesca, desaparecendo ao tocar o corpo do dragão. Ele, por sua vez, cessou seu rosnado, se deitando enquanto observava a jovem, que estendeu a mão para acariciar as escamas do animal.

Para Verraz a estrutura do animal mítico era semelhante a uma armadura de um cavaleiro, o brilho dourado que ela emitia parecia possuir mais riqueza do que a joia do artesão mais orgulhoso do reino.

Ele pensou em se aproximar, mas antes de decidir se deveria ou não o fazer, a armadura do dragão começou a se alongar e se contorcer. Se Verraz não tivesse visto previamente a fera com clareza, mal poderia acreditar em seus olhos agora.

Parecendo mais um emaranhado de raízes arranjados na forma de um dragão, um último brilho de vivacidade pode ser notado nos olhos da criatura antes que se apagassem por completo.

As borboletas restantes se jogavam na grama queimada, se desfazendo em pequenas luzes azuis antes de desaparecer.

Tomando o ar, uma tensão muito forte fez o príncipe Verraz cair novamente e a jovem desconhecida se ajoelhou diante da nova forma da criatura.

Mesmo caído, ele pode notar gradualmente as cinzas sendo tomadas pelo verde, toda a destruição foi apagada e agora a floresta estava em seu estado natural, como se nada houvesse acontecido.

Tendo recuperado o controle sobre seu corpo Verraz finalmente se levantou e pode observar aquela que o salvara.

Conforme o aura de magia se acalmava, a escuridão da noite fluiu pelos cabelos ondulados dela os deixando da cor de ébano, sua pele era pálida e seus olhos eram tão puros e suaves como gotas de orvalho.

Ela inclinou a cabeça para o lado, o observando também.

Pela primeira vez em sua vida Verraz corava de vergonha, suas bochechas combinando com o tom escarlate de seus cabelos, se não fosse educado com a etiqueta de um príncipe, teria escondido o rosto nas mãos.

O som de um riso tão fluído quanto o canto dos pássaros o fez ficar ainda mais envergonhado, percebendo haver desviado os olhos dela.

Infelizmente uma de dentro da mata densa chamou em uma língua estranha e ela desapareceu sem dizer coisa alguma para ele.

Mais tarde em seu palácio que, ao relembrar o sorriso dela, Verraz se deu conta, ele havia perdido seu coração naquela floresta.

… 

Passaram-se dias, onde as noites dele foram em claro, as manhãs perturbadas pelo sonho e as tardes onde ele se comportava como um tolo amaldiçoado.

Nada conseguia prender a atenção do jovem príncipe, o que deixava seus pais receosos, os reinos estavam em conflito e os generais inquietos exigiam atitudes, não era hora do herdeiro perder a cabeça.

Temendo que seu filho não sobrevivesse em tal estado de espírito, o rei ordenou a presença de um mago para que o problema fosse resolvido de uma vez por todas.

Após uma longa conversa com o príncipe herdeiro o mago chegou a conclusão do que lhe atormentava, e depois de muito discutir com o rei uma decisão inusitada foi tomada.

Uma aliança foi formada com um reino distante, que intrigou a todos os generais do rei e os dos reinos vizinhos.

Verraz também parecia muito confuso com a escolha de seu pai. O reino das rosas-brancas era conhecido por seus magos devotados unicamente à vontade da deusa dos mortos, era uma causa perdida pedir a eles para participar da guerra.

Mesmo assim um banquete foi organizado para celebrar a chegada dos enviados desse reino misterioso.

Como de costume, os magos usavam mantos brancos e máscaras que lhes ocultavam as expressões, como se eles não passassem de fantoches para sua excêntrica divindade.

Não tendo interesse em nada daquilo, Verraz foi ao jardim, o local onde passava mais tempo do que qualquer outro desde o incidente na floresta.

Onde se deparou com borboletas, estas que jamais agraciaram as flores com sua presença depois do por do sol.

O coração dele palpitou por um sentimento que ele mesmo não compreendia, ele sentiu um vazio oprimir seu estômago e o ar fugir de seus pulmões. 

Sentada em um banco do jardim, estava a mesma mulher da floresta, brincando com as borboletas que pousavam em seus dedos, as jogando no ar novamente.

Se os olhos dela não se voltassem para Verraz ele acreditava que teria passado o resto da noite, se não o resto da vida a observá-la fazer isso.

Depois de algumas palavras de cortesia, ele se sentou junto a ela, lhe agradecendo por auxiliá-lo no outro dia.

— O pensamento de sua alteza está equivocado, quem o salvou foi o dragão, eu apenas atendi o último desejo dele de usar magia para recuperar aquilo que o fogo destruiu.

Vendo que Verraz parecia confuso, ela explicou.

— Pelo que posso sentir, sua linhagem tem ligação com os dragões, por isso o velho dragão dourado lhe protegeu.

Depois de um momento em silêncio, ela fechou os olhos.

— Para o meu povo os dragões são sagrados, se o desejo de sua alteza for construir um império, eu gostaria que me permitisse estar ao seu lado, para o ajudar nessa conquista.

Aquelas palavras fizeram Verraz corar novamente, mesmo que ele soubesse que a proposta fosse apenas sobre o apoio na guerra, o príncipe resolveu fingir que era mais do que isso.

Internamente ele prometeu a si mesmo, que se tornasse imperador, ela seria a única que ele aceitaria como imperatriz.

Aquela jovem, Elise WhiteRose, como ele saberia momentos mais tarde, a sacerdotisa das rosas.

E ele cumpriu sua promessa.







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⏰ Última atualização: Jun 13, 2024 ⏰

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