Um bom concierge é capaz de sentir cheiro de encrenca assim que as portas da recepção se abrem, e eu certamente exalava esse cheiro quando apareci no saguão do Palmer House. No momento em que ouviu o barulho dos saltos nos ladrilhos brilhantes, Antoine ergueu a cabeça e suas narinas se dilataram. Como se respondessem à reação dele, dois carregadores de ombros largos entraram em cena e bloquearam o caminho para o elevador. Antoine saiu de trás do balcão, educado, mas sem sorrir.
- Como posso ajudá-la?
Puxei as mangas do meu paletó, desamarrotando o tecido.
- Preciso falar com Marlowe.
- Não está na lista de compromissos dela, madame.
Aquele não era o tom açucarado e dócil que ele usara quando cheguei naquela manhã para comer ovos e tomar champanhe. Eu estaria em maus lençóis se não dissesse a coisa certa.
Olhei de relance para o relógio. Ainda estaríamos na hora de Vênus por mais três minutos. Era hora de botar para quebrar. A imagem dela estava pintada no teto, logo acima da minha cabeça. Atraí seu poder e me enrolei nele como se fosse uma estola. Levei a mão ao quadril, dando uma requebradinha para o lado.
- Sim, sei que não - concordei com uma risadinha, com as palmas das mãos abertas e à mostra. - Mas estive aqui hoje de manhã, lembra? Pois bem. Esqueci uma coisa na suíte de Marlowe que preciso buscar o quanto antes. Posso telefonar para ela daqui? Ou deixar um bilhete, caso ela não esteja recebendo ligações. Julian vai saber dizer.
Eu disse a última frase com um sorriso e um leve empurrãozinho mental. Eu não era boa em encantamentos de sedução, mas tinha lábia suficiente para fazer aquilo dar certo. O concierge acenou com a cabeça e sua expressão se suavizou.
- Posso mandar um recado, se desejar.
- Ah, como você é gentil. Um doce.
Eu vira brevemente algumas das garotas de Marlowe ao longo dos anos. Ela gostava de mulheres bonitas, com um quê de exótico, e acho que eu me aproximava o suficiente daquele padrão para que Antoine acreditasse nisso. Ele me trouxe um papel timbrado e um envelope, e dei o melhor que pude para fazer um beicinho enquanto colocava minha Waterman sobre o papel para escrever:
Marlowe,
Precisamos conversar, querida. Há uma coisinha que você parece ter esquecido de mencionar quando me contratou. Não precisa ter pressa, estarei esperando.
Sam
Tirei um frasco do Evening in Paris da bolsa, empurrando o maço de notas para o lado, pinguei uma gota no papel e rabisquei um coração em volta. Antoine apanhou o envelope perfumado e me conduziu até uma poltrona macia no saguão antes de entregar a mensagem nas mãos de Amos.
Me acomodei na poltrona de almofadas fofas e, enquanto esperava, murmurava salmos de maneira quase inaudível, enviando cada sílaba diretamente para o vigésimo quinto andar. Cheguei até "Teus decretos são tema de minhas canções em minha peregrinação" antes que as portas do elevador se abrissem e Amos acenasse para mim.
Fiquei em silêncio enquanto o elevador nos levava até o topo e apertei sua mão enluvada antes de pisar no carpete branco como a neve pela segunda vez naquele dia. Acompanhei Julian e juntos passamos pela sala do piano com as janelas enormes e pela sala de estar onde costumávamos tomar gim gelado. Depois seguimos por um longo corredor, nos aprofundando em uma parte do território de Marlowe que eu ainda não conhecia. Senti o cheiro de rosas e água morna quando uma porta se abriu e Julian me conduziu a uma sala de banho digna de um imperador romano.
O ar quente e úmido acariciou meu rosto. Ao ouvir o som de respingos, dei meia-volta e vi uma enorme banheira quadrada - na verdade, não; aquilo era grande demais para ser chamado de banheira, mesmo estando cheio até as bordas e transbordando espuma. Vasos com rosas vermelhas frescas cercavam o banho de Marlowe com um perfume tão forte que eu conseguia sentir o sabor em minha língua. Mergulhada em uma nuvem de espuma, lá estava ela, com as sobrancelhas cuidadosamente arqueadas e um ar irritado.
- Eu detesto esse salmo - reclamou Marlowe.
Dei de ombros.
- Imagino que deteste todos eles.
Ela fez beicinho e pegou uma taça de champanhe meio cheia. Um amontoado de bolhas com aroma de rosas se dispersou e revelou a água cor-de-rosa.
- Bem, já que está aqui, desembuche. O que está tirando seu sono?
- Você ferrou comigo - respondi, e apesar de Marlowe ter revirado os olhos como quem diz "Jura mesmo que você está surpresa, querida?", continuei a falar. - Todas as vítimas do Vampiro da Cidade Branca tinham vendido a alma. Isso não passa de uma guerra de território, não é? Você me meteu no meio de uma disputa territorial.
Marlowe piscou preguiçosamente.
- Você descobriu rápido. Sim, isso mesmo. Aquelas almas eram minhas. E não me agrada que tenham sido tiradas de mim.
- Então me dê uma pista, pelo menos - Pedi. - De quem é a próxima alma?
Marlowe marcou um gol brilhante.
- Querida, você é mais inteligente do que isso. A próxima alma é a sua.
Fiquei em silêncio por um momento. Qual era o meu problema? Eu já sabia a resposta. O que me afligia era minha esperança, e estendi a mão tão depressa que não pensei em mais nada. Marlowe me oferecera a única coisa pela qual valia a pena arriscar tudo. Eu não conseguiria recusar, ela sabia disso tão bem quanto eu, mas poderia ao menos ter tido a decência de me avisar.
Mas tudo nessa vida é negociável. Marlowe precisava de mim. Eu já a convencera a pagar pelas despesas do trabalho; por que não tentar algo mais?
- Então você não pode me arrastar lá para baixo na data prevista. Quem vai encontrar seu concorrente se eu não estiver aqui, gastando a sola dos sapatos?
- Considere isso um incentivo.
Marlowe levantou uma perna. Bolhas de sabão escorreram por sua coxa quando ela se esticou para abrir a torneira de água quente com os dedos dos pés, que tinham as unhas pintadas de vermelho.
- Agora que você sabe que as vítimas do Vampiro não têm alma, está muito mais perto de pegá-lo.
- Porque ele virá atrás de mim.
- A isca mais bonita que já vi. - Marlowe levantou a taça em um gesto de saudação. - De certa forma é um alívio, não? Faz você se concentrar no que importa de verdade.
- Não consigo lidar com um demônio.
- Mas, querida, não foi o que pedi para você fazer. - Ela puxou um cigarro fino e comprido de uma tigela de cristal e o encaixou entre os lábios. A ponta se acendeu sem nem mesmo um movimento de sobrancelha, e ela sorriu para mim atrás de um véu de fumaça. - Você encontra o Vampiro da Cidade Branca ou ele encontra você. Quando isso acontecer, você vai me chamar e eu vou correndo. Prometo.
- Promete? - Repeti incrédula e com a voz embargada. - Jura de pés juntos, mesmo? Como posso confiar que você vai aparecer?
O sorriso de Marlowe desapareceu. No mesmo instante, minha garganta se fechou e minha visão se escureceu. Tentei respirar fundo, mas algo cruel comprimia meu peito.
- Não questione minha palavra, Samanun - Marlowe com a voz suave. - Não gosto nem um pouco disso. - Ameaçou
Ela assistiu enquanto eu me debatia por cerca de dez segundos antes de me soltar. Meus joelhos cederam e desabei sobre o mármore perolado com um baque doloroso. O ar chiou pela minha garganta e encheu meus pulmões. Puxei o ar mais uma vez, levando as mãos ao peito, e reprimi o soluço que se agitava em minha garganta; eu morreria antes de deixar que ele escapasse.
- Entendido - ofeguei. - Obrigada por esclarecer.
- Não volte aqui sem avisar antes. - Ela bebeu o último gole de champanhe, mas pela expressão não estava contente. - Julian vai acompanhá-la até a porta.
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𝑴𝒆𝒔𝒎𝒐 𝒔𝒂𝒃𝒆𝒏𝒅𝒐 𝒄𝒐𝒎𝒐 𝒕𝒖𝒅𝒐 𝒂𝒄𝒂𝒃𝒂
FanfictionSamanun vendeu sua alma para salvar a vida de seu irmão e recebe uma última missão antes de ir eternamente para inferno. Ao recusá-la, sua cliente melhora a oferta ao oferecer o único pagamento que ela não pode resistir - a chance de ter um futuro o...