Um Sobrevivente

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  Era como se nada fosse importante, um alívio inexplicável envolvia todo o seu corpo, isso até que algo o puxasse daquele estado. À medida que sua consciência retornava, seus olhos lentamente abriam-se e viram com dificuldade um teto rochoso. O frio do solo percorria suas costas e um cheiro metálico invadia suas narinas. Juntando suas forças, tentou pôr-se de pé, algo que lembrava fazer sempre, e, neste momento, parecia um desafio enorme.

  Após conseguir se levantar com a ajuda de uma parede rochosa, pôde ver o local ao seu redor e o que observou fez seu estômago revirar-se: havia um altar feito de pedra, em sua superfície possuía quatro velas e uma cabeça que assemelhava-se à de um touro. Achou pelo chão vestes rasgadas, as quais vestiu e seguiu o único caminho existente. Esperava achar a saída por ele e, enquanto buscava, encontrou somente corpos frios e sem vida largados por todo canto.

  Horas haviam se passado desde seu despertar, mesmo assim aparentava estar longe de fugir desse terror. A falta de água e comida começava a atingi-lo, suas pernas ficavam mais fracas a cada momento, só conseguia caminhar agora com a ajuda das paredes. O desespero e a ansiedade tomavam seus pensamentos; as duas próximas horas se arrastaram e as chamas da esperança apagavam-se pouco a pouco.

  O cansaço venceu-o, tendo de parar e tentar descansar sobre aquelas pedras. Era desconfortável tanto pelo cheiro que pairava no ar quanto pelo opressivo silêncio dentro daquela escuridão. Durante o tempo em que dormia, recuperava um pouco de suas forças e, ao acordar, pôs-se a caminhar.

— Aquilo é... uma luz? — pensou, tentando talvez confirmar o que via.

  Uma pequena e distante luz podia ser observada. Poderia ser nada ou até mesmo uma armadilha; no entanto, isso fez as chamas dentro de si crescerem. Agarrando a nova oportunidade de sobrevivência, ainda que esvaísse o resto de suas forças e sentisse como se fosse desmaiar a qualquer instante, continuava agora determinado.

— Isso é uma... voz?

— Venham, há um sobrevivente! — alguém exclamou fora daquele “inferno”.

  Sem conseguir conter suas lágrimas, começaram a escorrer por seu rosto, molhando o solo que andou até aquele momento; antes que pudesse chegar mais perto da saída, seu corpo cedeu, indo ao chão, e sua visão escureceu. Entre períodos incertos, recobrava por instantes sua consciência e seus sentidos, sendo capaz de ouvir vozes, sem ao menos entender o que falavam, e algumas vezes pôde vislumbrar uma jovem de cabelos rosados.

  Quando foi capaz de abrir os olhos de novo, encontrou-se deitado sobre uma cama que, pela maciez, poderia dizer ser de palha. Também pôde observar o novo cenário à sua volta: era uma tenda, que só possuía em seu interior uma mesa e a cama onde estava. Sentou-se e deixou, enfim, seus pensamentos fluírem por sua mente. Foi a primeira vez desde que acordou na caverna.

— Eu consegui... Escapei daquele local. — o tecido que o cobria tornou-se o descanso de suas lágrimas, ao mesmo tempo que fechava o punho.

  Alguns minutos após liberar os sentimentos reprimidos, um senhor no auge da meia-idade — mesmo assim ainda estava conservado — com seus cabelos brancos, os quais iam até sua cintura, seus olhos eram dourados e pareciam reluzir, sua pele era parda; usava um sobretudo branco cobrindo seu ombro e um cajado de madeira com uma esfera na ponta superior. Ele adentrou.

— Como o jovem está? Sente-se melhor?
— Calma e sábia, assim é sua voz.

  Durante o tempo em que refletia para responder, pôde perceber o aroma de rosas, algo deixado de lado em sua primeira avaliação. Além disso, o canto dos pássaros invadia a pequena tenda.

— Acho que estou... bem? — suas palavras saíram baixas e incertas.

— Perdoe-me pelo descuido, me chamo Thijou Levard.

— É claro, muito prazer e eu sou...

  Sua mente esforçava-se para recordar alguma vivência, nem sequer uma ruim, qualquer coisa antes de acordar naquele “inferno”. Com tantos anos de experiência, viu o jovem querer cair no abismo do desespero, e não era pelos seus olhos negros, sua respiração estava pesada e entre intervalos curtos.

— Tudo bem, já percebi que não se lembra.

— O senhor está certo... Me desculpe. — mantinha seu olhar baixo enquanto falava.

  Observou o jovem voltar a olhar em seu rosto, tirando um pequeno tempo para tentar decifrá-lo; tratava-se de um jovem na casa dos dezessete, pele parda, seu cabelo roxo estava bagunçado e a cor peculiar de seus olhos. Seu físico, mesmo sofrendo a falta de água e de alimentação, mostrava uma certa definição.

— É raro olhos negros nesta região, sabia?

— Direcionava a conversa para fora do assunto anterior.

— Isso é bom ou ruim? — havia receio em sua pergunta.

— Depende, como você vê?

  Um silêncio instalou-se entre os dois, sendo quebrado por outra pessoa entrando na tenda: uma jovem por volta de dezesseis anos, sua pele tinha um tom pardo-claro, os seus olhos dourados, usava vestes simples com detalhes em verde, mas o que mais se destacou nela foi seu cabelo: eram rosados seus fios e ondulados, desciam até a linha de seu ombro.

— Licença, vovô, trouxe a refeição do paciente. — possuía doçura e suavidade em sua voz.

— Claro, minha neta, já que é a doutora.

— Não fale besteira, sabe que estou mais para enfermeira.

  Caminhou para a mesa do local, deixando a refeição sobre ela, e seus olhos encontraram-se com os do jovem, que continuava vidrado nela. Desviou o olhar ao sentir seu coração acelerar e suas bochechas esquentarem.

— Está tudo bem, minha neta?

— Hum? Não, mas... O que o senhor está fazendo aqui?

— Como assim? Não sei do que está falando.

— Sabe que a anciã Yukika não havia liberado a entrada de ninguém. — lembrou ao seu vô da proibição de entrada.

  O senhor e a jovem começaram uma pequena discussão, sem precisarem elevar as vozes, acabando com um leve golpe na cabeça da neta. O jovem, ainda meio confuso pela finalização da discussão, tentou lembrá-lo de que estava ali.

— Pode ir, minha neta, qualquer coisa me vejo com a Yukika.

— Então, eu já vou indo. — fez uma saudação ao seu vô e saiu.

— Desculpe-me, onde estávamos?

  Pousou sua mão sobre o queixo e fechou os olhos. Um silêncio seguiu nos próximos segundos. Antes que pudesse perguntar ao senhor, ele abriu um olho e deu um sorriso.

— Acho melhor continuarmos o assunto que o trouxe até aqui.

— E o que seria? — deu uma pequena quebrada em sua voz.

— Não se recorda do seu passado, então talvez... — parou por um momento, ao passo que refletia as opções.

— Talvez?

— É uma chance, as suas vestes são dos cavaleiros da Força Santa de Front.

— Força Santa?

— Sim, pela cor de seus olhos, pode ser que não demore.

— Não! — Sem controlar sua voz, o jovem acabou se exaltando. — Quero dizer... Essas roupas não são minhas.

— Poderia explicar?

— Claro.

  Explicou toda a situação desde seu despertar até o presente. Quando terminou, o senhor havia colocado sua mão no queixo de novo e pensava sobre o ocorrido. Por fim, voltou sua mão ao cajado, abrindo os olhos e com uma certa seriedade em seu rosto.

— Entendo... Melhor descansar por hora, a terceira anciã deve retornar ainda nesta semana, então ela poderá te ajudar com suas memórias.

— Muito obrigado!

— Não me agradeça. — deixou o jovem sozinho na tenda, junto aos seus pensamentos sobre aquela frase final.

  Seu estômago roncou, fazendo-o fugir de seus pensamentos. Comendo a refeição deixada, deitou na cama e fechou os olhos.

Entre a luz e as trevas: Gachuti Blood {Reescrita}Onde histórias criam vida. Descubra agora