02. Mudanças

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***


A chuva apareceu suavemente na manhã cinzenta, trazendo consigo um ar fresco que se infiltrava pelas frestas das janelas. Eu havia dormido apenas algumas horas quando murmúrios e o som metálico de utensílios na cozinha me despertaram. Presumi que fosse meu marido, Zayn, e estava certa. Lá estava ele, envolto em sua aura de bom moço que mais parecia uma máscara habilmente forjada. Sua expressão serena e o sorriso encantador ocultavam qualquer indício do que realmente se passava por trás daqueles olhos.

Quando ele se aproximou, uma mistura de alívio e desconfiança cresceu dentro de mim. As aparências enganam, e as lembranças da noite anterior ainda ressoavam como um eco sombrio das verdadeiras intenções de Zayn.

— Bom dia, querida — disse Zayn, estendendo-me uma xícara de café fumegante.

— Desde quando você prepara o café da manhã? — perguntei, tentando manter um sorriso tímido.

— Me desculpe por ontem à noite. Eu só precisava de um tempo para mim — murmurou ele, mas suas palavras não dissiparam a tensão que pairava no ar. — Por favor, sente-se. Preparei tudo especialmente para você.

Ele me conduziu até a mesa da sala de jantar. Sobre a mesa, arranjos de flores frescas com orquídeas brancas e rosas inglesas exalavam um perfume delicado que se misturava com o aroma dos alimentos. Pequenos potes de cristal continham geleias caseiras de damasco, framboesa e groselha, dispostos ao lado de manteiga de excelente qualidade.

— De onde veio tudo isso? — perguntei, incrédula e surpresa com sua atitude.

— Apenas quis fazer algo especial para você — respondeu ele, seu sorriso permanecendo intacto, mas sem fornecer as respostas que eu realmente procurava.

Os olhos de Zayn brilhavam com uma intensidade que eu não conseguia decifrar, e enquanto ele puxava a cadeira para mim, uma sensação inquietante se instalava em meu peito. As flores, a comida, o gesto — tudo parecia perfeito demais, um cenário cuidadosamente armado para ocultar o que realmente se passava.

E enquanto me sentava, não pude deixar de me perguntar: o que Zayn estava realmente tentando esconder?

— Preciso ir. Jeff já me ligou inúmeras vezes só nesta manhã.

Zayn trabalhava na delegacia de polícia local, na área de Tecnologia da Informação. Às vezes, ele também ajudava o departamento de necropsia, redigindo certidões de óbito e notificando os familiares.

Que ironia, mais uma vez.

Antes de sair, ele me beijou apaixonadamente, como se quisesse apagar minhas incertezas com aquele gesto.

— Vai me deixar aqui comendo tudo isso sozinha? Me acompanhe pelo menos um pouco — pedi honestamente. Sentia sua falta e precisava dele como homem, marido, companheiro. Pelo menos na hora do café da manhã...

— Sinto muito, querida. Mas eu prometo recompensá-la mais tarde, okay? — Ele deu uma piscadela e eu me calei, colocando um pedaço enorme de torrada na boca. Pouparia meus comentários.

Enquanto Zayn pegava suas coisas, observei-o atentamente, tentando decifrar qualquer pista no seu comportamento. Ele vestia a jaqueta com a mesma precisão meticulosa que usava para arrumar cada detalhe da mesa. Sua eficiência e serenidade, embora tranquilizadoras, também tinham um lado perturbador.

— Eu realmente gostaria de ficar, mas o dever me chama — disse ele, com um último olhar de desculpa nos olhos. E, com isso, saiu pela porta, deixando para trás um rastro de café recém-passado e flores frescas.

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⏰ Última atualização: Jun 08 ⏰

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