Capítulo único

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Próximo à costa meridional da península em que Yoongi nasceu, um grande rio passava. Por causa dele, o clima por ali era ameno; as terras, muito férteis. Em gratidão, o povo ribeirinho passou a idolatrar a natureza que tanto lhes deu e abençoou.

Assim, desde os primórdios do bando do sul, circulavam histórias sobre um deus chamado Gang, aquele que era a fonte de toda a água doce do mundo. Dizia-se que ele alimentava tanto as nuvens de chuva, quanto a nascente do rio com seu poder, guardando as terras daquela região como um protetor. Surgiu-se, então, a crença de que a divindade que cuidava do lugar era sagrada e, com ela, a necessidade de agradar esse poder maior, para que as bênçãos do povo não desaparecessem e o rio não secasse.

Sacrifícios foram feitos como oferendas a Gang; mas, com o crescimento populacional e, consequentemente, a consolidação de uma aldeia cada vez maior, rituais específicos foram sendo passados de geração em geração a fim de cumprir esse propósito. Dentre eles, o principal era a escolha de um oráculo, para firmar o relacionamento entre divindade e homem através de um mediador.

O oráculo representava todo o bando e, como sacerdote, funcionava como uma ponte entre o deus protetor de uma aldeia e o próprio povo. Ele era o único a entrar nos altares construídos para Gang e, como prova da devoção de todos, dedicava a vida ao sacerdócio. Dessa forma, precisava ser puro para agradar àquele deus. Como as plantações que dependiam do rio tinham temporadas específicas em que eram mais frutíferas, os anciãos decidiram que o oráculo seria escolhido segundo a fertilidade do solo. Eles acreditavam que o primeiro bebê a nascer, na primavera, representaria a prosperidade de todos.

A criança eleita passava, assim, a ser coberta por um véu, para que os olhos de ninguém a vissem. Na idade de sete anos, seria separada dos demais para viver só, próximo a um altar coberto que ficava bem no centro da aldeia. Ao chegar à puberdade e se apresentar — fosse como alfa, beta ou ômega —, precisava tomar inibidores de cheiro para que, além de não ser vista, não fosse cheirada. Para não ceder às tentações da vaidade, não tinha permissão de nem mesmo ver o próprio rosto, dormindo em um casebre simples sem espelhos. Sua face só poderia ser descoberta na presença da divindade com quem se comunicava, que avaliaria sua honra e humildade.

A vida de um oráculo, portanto, era abdicar da própria individualidade em prol da posição como sacerdote. Por outro lado, visto como sagrado por todos — por ser a única pessoa plenamente pura aos olhos do deus do bando —, tinha autoridade absoluta. Era o único que poderia ir de encontro a uma decisão do alfa chefe, por saber mais do que este. Além disso, seu papel na hierarquia de um bando era vitalício, por isso apenas com o falecimento do oráculo o ciclo se repetia e a próxima criança a nascer na primavera seria eleita para substituí-lo.

O mesmo acontecia em outros bandos, cada um adorando o respectivo deus protetor, com os próprios sacerdotes.

À medida que crescia, Yoongi aprendeu cada tradição do seu povo. Seu tio possuía uma boa posição social como braço direito do alfa chefe do bando do sul e como nunca havia acasalado o via como um filho, passando todo o aprendizado possível para o sobrinho, visando torná-lo seu sucessor. Por ser uma criança prodígio, educada da melhor forma, não foi uma surpresa quando sua habilidade na caça aflorou. Desde pequeno, mostrou uma excelente capacidade de rastrear outros animais, conseguindo acompanhar até mesmo lobos mais experientes do bando. Com dezesseis anos, antes mesmo de saber a que classificação pertencia, o olfato de Yoongi já era mais apurado do que o do próprio alfa chefe.

Ele era o orgulho do bando do sul. E, logo que se apresentou como um alfa, não demorou a receber mais responsabilidades dentro do lugar. Para infelicidade do tio, nunca se interessou muito por questões administrativas, não queria um cargo de liderança. Era verdadeiramente feliz na forma de lobo, deixando-se levar pelos instintos. Amava passar dias caçando na floresta ou viajando ao longo da costa que levava ao norte.

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