Solta O Som, Creusebeck

1 0 0
                                    


Nenhuma daquelas pessoas caminhando a passos largos na calçada do centro pareciam seguir rumo a algum lugar. Como era aquela música do Barão Vermelho? "Não ligue para essas caras tristes fingindo que a gente não existe". Hikari tentava relembrar o nome da canção.

O garoto tinha uma paixão pela análise de faces. Pessoas guardavam segredos em suas mentes, mundos únicos e inigualaveis com formas de ouvir, pensar, sentir, todas completamente diferentes das dele. Porém, tantas caras tristes como aquelas, todas tão pré fabricadas como figuras em um quadro de Andy Warhol, eram enigmáticas ao pontos de serem indecifráveis. Um mistério tão caótico quanto Baskiat.

Hikari, inexpressivo, assistia pela janela do carro o movimento dos prédios ao longo da viagem. O centro de Fortaleza começava a lotar pela manhã.

─ Coloca o cinto, Rick ─ disse a mulher ao volante, Mia, rabugenta, tia do garoto, sem tirar os olhos da estrada. A mulher preferia chamar seu sobrinho por "Rick", da mesma forma que trocam "Eduarda" por "Duda", ou "Maria Júlia" por "Maju". Era mais fácil de falar, de lembrar, de lapidar usando a língua.

O garoto não respondeu, não obedeceu. Continuava encarando o movimento dos prédios, das pessoas caminhando na calçada.

Mia entortou o nariz. Seus lábios se tornaram meras linhas finas adocicadas. Quando pararam em um semáforo, Mia levou a mão até os botões da rádio do carro. Ligou. Tocava Anjo Querubim, daquela banda lá, Limão com Mel.

A mulher sorriu, iniciou uma dança enfadada e meiga sentada ao assento do carro, rebolando, sacudindo seus braços e pernas, fingindo cantar.

Mia agarrou o braço do sobrinho e começou a sacudi-lo no ritmo do som, de um lado para

Rick, como um vendaval ao meio-dia que sacudia, em um susto, as roupas de um varal, deu um leve furioso tapa na mão da mulher.

─ PARA ─ exclamou Hikari, puxando seu braço para longe das mãos da tia.

A mulher deixou de gingar, desfazendo o sorriso do rosto, voltando ao volante quando viu o semáforo aberto. Sua expressão era fúnebre, como a de um morto no velório.

─ Desculpa ─ murmurou o menino, arrependido com o rabo entre as pernas, encolhendo os ombros, encostando o rosto no vidro do carro, voltado a prestar atenção na rua.

─ Só estava tentando ajudar ─ retrucou a tia, gelada feito os ares de uma manhã de verão no sertão.

O garoto carregava nas costas uma mochila. Estava cheia, quase explodindo de material. O menino usava um uniforme escolar.

Os dois continuaram calados, ao som de Limão com Mel, por longos minutos dentro do carro. Frio, frio como gelo.

Mia diminuiu o som do rádio. E a temperatura do ar condicionado.

─ Sei como deve estar nervoso. É seu primeiro dia no ensino médio.

O garoto não respondeu.

─ Foi assim comigo também, ─ continuou ela, já em outro sinal vermelho ─ estava com medo de não me enturmar, de não gostarem de mim, de não me acostumar. Vai ver como em escolas assim, sempre tem alguém que vai bater o santo com o seu.

─ Não é isso ─ Rick cortou o ar com aquela frase, virando-se para Mia. ─ Eu gostava da minha antiga escola. Todos os meus amigos eram de lá.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 10 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Histerias - Episódio 1: Lobos Onde histórias criam vida. Descubra agora