Acordo com o alarme do meu celular tocando num volume muito alto. Hoje tem apresentação na escola então tô com aquela leve vontade de desviver. Como sou pobre e não tenho dinheiro pra terapia, corto o cabelo (tomboy hair) e coloco a blusa, a gravata e a calça da escola. Quando chego na sala me aconchego na minha carteira no cantinho no fundo da sala, boto o fone de ouvido e acabo pegando no sono, sentada em posição fetal. Alguns minutos depois sinto alguém balançando meu braço.
- Ray. Raya acorda! - diz minha melhor amiga, Stella - A gente é as próximas a apresentar!
Logo em seguida escuto palmas dos alunos, todos com expressão cansada. Aparentemente, a outra dupla acabou de apresentar.
- E aí, libélula?
Diz ele passando as mãos nos meus cabelos curtos e escuros, bagunçando eles pra cima e cobrindo meu olho esquerdo.Lembro-me até hoje o dia que conheci Evan. Tínhamos 9 anos e minha mãe comprou uma pulseira de libélula pra mim de dia das crianças. Ela me levou pra tomar sorvete no parque e eu fui no balanço. Senti um empurrão e quase caio de cara no chão, mas consegui me apoiar com as mãos, que ficam raladas enseguida. Logo vejo no balanço um menino mais ou menos da minha idade, com cabelo cacheado (antes seus cabelos não tinham um corte muito definido, mas agora ele usa corte mullet, que o deixa... bem).
- Ei! Eu tava no balanço primeiro!
- E eu te empurrei depois.
Percebo um pintinha abaixo de seus lábios do lado esquerdo. Tento empurrá-lo, mas ele é muito forte (e pesado), enseguida saio bufando de lá.
No dia seguinte encontro ele na escola e quando chego perto dele ele estende à mão e diz:
- Você esqueceu isso, libélula.
Então estende a mão com minha pulseira.
- Obrigada... - digo muito baixo e ele não ouve, ou pelo menos agiu como se não tivesse ouvido.
Mas voltando ao presente.
- Rayane Bianchini e Stella LaPluie.
Escuto o professor chamando nossos nomes para apresentar. Odeio apresentar trabalho. Todo mundo te olhando dá uma agonia. Era mais fácil escrever tudo numa folha de papel almaço.
Depois da apresentação vou com a Stella pra sala de música pq ela é da banda da escola e eu finjo que sou pra matar a aula de física às quintas-feiras. Eu me sento atrás do teclado e boto alguma música aleatória no modo automático. Mas adivinha quem também tá na banda? Evan. Ele toca guitarra e se acha MUITO por isso. Como se não tivesse literalmente umas outras 15 pessoas que tocam algum instrumento naquela sala. Na verdade, 14. Por quê eu mesma só finjo.
- Brigou com cabeleireiro, libélula? - Evan se aproxima e diz.
- Não, só com a sua mãe. - olho ele de cima abaixo.
- Deixa eu adivinhar. Confrontou o dono do morro e invés de ele se apaixonar pela sua ousadia ele tentou te deixar careca.
- Haha.
Olho pra ele com cara de desgosto e o ensaio começa. Todos os alunos tocam uma melodia harmoniosa e eu aperto o botão "automático" no teclado. Por quê todos os alunos estam aqui pq gostam de tocar (ou são obrigados pelos pais) e eu tô aqui pq quero matar aula. O ensaio acaba e Evan está falando com uma menina do time de vôlei que é BEM mais alta que ele (o que não é tão surpreendente já que ele é meio baixinho). Ela tem o quadril largo e o cabelo loiro sujo, os olhos dela são bem escuros. Ela está de uniforme, que a deixa um pouco menos bonita. Pelo menos isso, o jeito que essa garota é gata chega a ser irritante. Evan se afasta dela e vem em minha direção.
- Oi, libélula. FalAmei o cabelo, resolveu fazer cosplay de Jung kook?
- Achei muito fofo você falando com a sua mãe agora a pouco. Você esqueceu o lanchinho, foi neném? - retruco.
- Cala a boca! A minha altura é mediana!
- Cara, a sua altura tá na média feminina.
- Minha pediatra disse que eu ainda posso crescer.
- Aham, Avatar.
- E você é igual a torre de piza: alta e torta.
- Pelo menos EU tenho futuro, analfabeto.
- Eu tirei 2 em gramática uma vez.
-Quando você era pequeno, perdão. Quando você era bebê - ele revira os olhos - você deu seu primeiro passo, mas hoje você anda. Enxergue isso como seu primeiro passo pra morar debaixo da ponte, usar uma poça como espelho e vender seu belo corpo em troca de comida. Agora tchau, eu preciso comer.
- Belo corpo, é? - ele diz com um sorriso e olhar malicioso.
Eu lanço um olhar de desdém e saio andando.***
- Você sabe que eu te amo, mas preciso falar que foi hilário você com ciúmes do Miller com a Jenny Walker - diz Stella enquanto me passa minha marmita com yakisoba.
- Miller?
- Evan. Miller. Evan Miller.
Mas que por-
- Como assim?! Espero que tenha gostado dessas palavras, pois serão as últimas que dirá antes de eu arrancar toda sua pele com esses hashis e comer ela no café da manhã, almoço e janta.
Pulo encima dela e ela começa a rir e, em seguida eu também.
O professor do quinto ano entra na sala e olha pra gente com os olhos semiabertos. Esqueci de mencionar que Stella e eu lanchamos nas salas do fundamental 1, porque os alunos revesam a quadra durante o recreio.
- Desculpa o incômodo. - digo enquanto pegamos nossas coisas e saímos da da sala.***
Depois de sair correndo do quinto ano B, não tive tempo pra comer. E aquele yakisoba, apesar de ser o meu jantar de ontem e estar frio, era o meu café da manhã.
Não consigo ir pra aula (fome) então pego a marmita da minha bolsa e como sentada enquanto me apoio no meu armário.
- Puta merda, libélula! Sabia que seu estado era de caridade, mas não imaginava que ia ficar largada no corredor tal qual uma pedinte. Pro seu azar não carrego dinheiro físico comigo - diz Evan de cima com um sorriso sádico. Que merda, minha vontade é dar um murro pra arrancar esse sorrisinho de merda da cara dele.
- Cala a porra da boca. Caralho, deixa pelo menos me deixa comer em paz!
- Ummm. Acho que isso é pouca comida pruma vaca do seu tamanho.
- Eu vou arrancar seu pau com uma moto serra. Talvez os braços ou pescoço. - digo inesperadamente calma - Por que você não pode ser um ser humano decente e só... me ignorar?
- Por que aí... qual seria a graça?