Capítulo 2

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2 meses depois.

Débora mirou o envelope do currículo e ergueu a cabeça diante da fachada da Pizzaria Três Fatias. Aquela era sua última tentativa. Ainda se via contrariada com a ideia de preencher uma vaga de garçonete tendo curso superior. Entretanto, após orar sobre o assunto e expressar o desejo de permanecer morando em Campina do Norte, supôs que talvez Deus estivesse abrindo aquela porta. Além disso, nutria a esperança de adquirir alguma experiência e facilitar sua entrada em uma empresa melhor, ocupando um cargo mais alto.

Depois do incidente com os ex-colegas e Mateus, ela evitou retornar à pizzaria — em parte por falta de dinheiro e em parte por sentir-se ainda envergonhada pela forma como tratou o pobre garçom que sempre a serviu com educação. Na maioria das vezes era ele quem a atendia e no decorrer do tempo, sem perceber, aprenderam até o nome um do outro, embora nunca tivessem conversado qualquer coisa fora do âmbito de relacionamento cliente e garçom. Quem sabe agora se tornariam colegas de trabalho.

Débora entrou no estabelecimento e foi abordada por Robson, um outro garçom que ela também já conhecia. O rapaz tinha a pele clara, o rosto emoldurado pelo contraste entre o cabelo curto e a espessa barba bem aparada. O charme era quase palpável em seus olhos escuros. Parecia se tratar de um dos frequentadores assíduos de academia, o que ela supôs devido ao volume dos músculos presos ao uniforme.

— Boa tarde, moça — Robson a cumprimentou com um sorriso cortês. — Sentimos sua falta! Qual o pedido de hoje?

— Eu quero um emprego! — Débora sacudiu o envelope no ar. — Tenho uma entrevista agendada.

Robson apanhou o envelope e puxou o currículo, examinando-o com muita atenção.

— Vinte e cinco anos. — Ele leu a informação e coçou a barba, reflexivo. — Não parece, hein. Achei que tivesse no máximo vinte.

Débora sabia que era um elogio, mas por algum motivo se sentiu desconfortável.

— Então seu nome é Débora. — Robson sorriu com interesse, atento ao documento. — E aqui está o seu telefone!

— Com licença! — Ela puxou os papéis das mãos dele. — Não é você que faz entrevista, ou é?

Robson inflou o peito e abriu mais ainda o sorriso, animado pela reação confrontadora.

— Não sou eu não — respondeu, zombeteiro. — Se fosse, você já estaria contratada.

E com um assentimento de cabeça, ele virou as costas e se retirou, chamando uma outra funcionária para atendê-la. Durante esse tempo Débora remoía sua suspeita quanto ao tipo de homem que era aquele garçom, um Don Juan, a quem já havia assim julgado em pensamento algumas vezes em que foi atendida por ele.

Márcia, uma mulher morena e alta de voz e trejeitos firmes, apresentou-se para Débora como chefe dos garçons e a orientou a aguardar um pouco enquanto o gerente despedia a penúltima entrevistada. Obedecendo, a moça sentou em uma das mesas do salão principal e pegou o celular para passar o tempo, ignorando o olhar curioso de Robson sobre ela.

Segundo a arte de divulgação daquela oferta de vaga, tratava-se de um emprego temporário com duração prevista para seis meses. Débora via ali sua chance de colocar as contas em dia. Nunca imaginou que estaria numa situação tão ruim depois de tamanho esforço e dedicação aos estudos.

— Moça, já pode vir — chamou Márcia, interrompendo seus pensamentos.

Débora se levantou, pigarreou e alisou a blusa social, apesar de esta já estar impecável. Em seguida, caminhou com a mulher pelo salão principal. Elas atravessaram o espaço vasto e bem iluminado, inalando a agradável mistura de aromas de limpeza recente e massa fresca sendo preparada na cozinha, até chegarem a uma escada no final do salão, à direita. Subiram os degraus rumo ao segundo andar, onde Débora visualizou diversas salas com etiquetas nas portas e avançaram até um cômodo cuja placa o denominava "Gerência".

— Ele está à sua espera. — Márcia abriu a porta do escritório e liberou a passagem.

— Ele? — indagou Débora, pois esperava ser entrevistada pela gestante que foi ao seu encontro naquela noite para retratar-se.

Já passando para dentro do cômodo, deparou-se com a imagem de um homem sentado atrás da escrivaninha. Ouviu a porta fechar atrás de si e arregalou os olhos quando enfim o reconheceu.

— Mateus?!

O homem se levantou de pronto. Ele vestia roupas sociais, usava uns óculos de leve grau e seus cabelos ondulados caíam pela testa quase ao alcance dos olhos, uma imagem muito diferente do garçom de avental e bandana.

— Oi, Débora. — Mateus assentiu, um tanto desconcertado.

Aliás, era fato que ambos estavam surpresos, porém Mateus já sabia que a próxima e última entrevista do dia era a dela, conferiu seu currículo entre os que chegaram via link de cadastro. Ainda assim, nunca imaginou ter aquela mulher na fila de espera para uma vaga em seu empreendimento.

Débora se aproximou devagar, segurando firme o envelope com seu currículo enquanto observava o ambiente com curiosidade. O cômodo, embora pequeno, era bem organizado. Ao lado de Mateus havia outra mesa com uma placa indicando "Subgerente", mas a cadeira de Paola estava vazia no momento. Um bebedouro e dois armários de ferro ocupavam a lateral da sala, enquanto um cantinho com café oferecia uma pausa aconchegante. À direita dela, um telão exibia imagens das câmeras de segurança em tempo real, proporcionando uma visão abrangente das dependências da pizzaria.

— É um prazer revê-la. — Mateus estendeu a mão sem jeito para um aperto formal.

Débora respondeu de imediato ao cumprimento. Apertou a mão dele e soltou-a rápido. Ele se sentou e a convidou para fazer o mesmo, o que ela obedeceu, encarando-o com muita atenção.

— Você não era um garçom? — questionou, incapaz de conter-se.

Como ele poderia ter subido de cargo em apenas dois meses enquanto ela mendigava por uma vaga de garçonete?

— Sou também. — Mateus sorriu com os lábios fechados.

— Também? — Débora inclinou o corpo para a frente, cheia de interesse. — Como assim?

— Olha, não me leve a mal, moça... — Mateus consultou o relógio de pulso e apanhou uma caneta. — Mas a entrevistada aqui é você.

O tom de voz dele era amigável, apenas não queria demorar muito, pois tinha vários compromissos para depois daquele.

Débora recuou em sua cadeira, sufocando muitos questionamentos, inclusive a respeito da mulher gestante que era a subgerente. Contudo, se limitou a consentir e entregar o envelope para darem início à entrevista.

Mateus leu seu currículo em voz alta, fazendo perguntas pertinentes conforme avançava pelas informações mais importantes ali contidas, embora não houvesse muitas. Sem conseguir ser sucinta, Débora contou a história de como se mudou para a cidade grande a fim de estudar e foi sustentada pelos pais fazendeiros até pouco tempo atrás. Agora, como seu irmão caçula também se mudou para fazer faculdade, os recursos de todos eram escassos. Desde que concluiu a graduação estava em busca de trabalho, mas não conseguia por falta de experiência. Concluiu explicando que aquela era sua última tentativa e voltaria para a casa dos pais em caso de insucesso.

— Minha única chance de ficar na cidade é se vocês me contratarem — apelou com o olhar carregado de temor. — Preciso muito de dinheiro e de experiência profissional.

Mateus foi tocado pela sinceridade no relato de Débora, que demonstrou suas reais intenções. A garota se sentia farta de tanto falar de suas capacidades e habilidades para os outros entrevistadores e não conseguir nada. Dessa vez só contava com a misericórdia de Deus e de Mateus.

— Está contratada. — O gerente pousou o envelope sobre a mesa de Paola. — Esteja aqui amanhã às 14h para o seu primeiro dia de trabalho. Fale com a Márcia, ela lhe passará as orientações necessárias.

— É sério? — Débora empalideceu, arregalando os olhos como fez assim que o viu.

— Sim. — Mateus se ergueu e estendeu a mão, estimulando-a a levantar e despedir-se. — Seja bem-vinda à família Três Fatias. Até amanhã!

O acordo foi firmado.

Débora abriu um sorriso radiante, mal podia acreditar que conseguiu um emprego. Agradeceu com timidez e se retirou em passos lentos do escritório. Desceu a escada e procurou pela Márcia, que a levou para uma mesa e lhe explicou todo o processo de contratação. 

Três Fatias de Amor (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora