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Inglaterra. 1491

O frio daquela manhã de inverno estava particularmente mais incisivo do que Katerina esperava ao sair de seus aposentos, apenas com seus trajes comuns e uma capa fina, que esvoaçava com o vento do pátio que atravessava. Era particularmente difícil para a garota entender de onde vinha a ventania, quando estava rodeada por muralhas de pedra com cinco vezes o seu tamanho.

Mas não era nada que ela não aguentasse, afinal, ainda estavam perto da costa, e os dias gelados ali não se comparavam aos da Bulgária, que deixavam as pontas de seus dedos azuis e congelavam os poços de água, deixando a vila apavorada com a chance de morrerem de sede. Lembrava-se de uma noite em particular na qual sua mãe pediu que se aninha-se com ela diante do fogo, temendo que a peste da época a levasse se ficasse gelada demais.

O rosto redondo e doce de sua mãe penetrou suas memórias como um veneno, que amaciava seu peito apenas por um momento, antes de tentar destruir seu coração da forma mais dolorosa. Em algumas semanas, completaria um ano desde que fora expulsa de seu vilarejo, de seu lar, abandonada e apedrejada pelo próprio pai. Com o tempo, tinha se tornado mais fácil reprimir a dor que vinha com essa lembrança, mas ainda havia momentos em que ela não podia se impedir de sonhar com a ideia de retornar um dia.

Só que não havia espaço para desejos e sonhos dentro da corte, isso Katerina tinha aprendido rapidamente. Para subir de estação e se misturar com o povo inglês, ela teve de abandonar muitos de seus costumes anteriores, convicções e morais, pela chance de melhorar de vida. Muitos julgaram como insanidade e tolice acreditar que uma mera serva poderia se integrar com os nobres, riram de sua cara e reviraram os olhos.

Agora, era Katerina Petrova quem trabalhava como a acompanhante da duquesa, o maior cargo que alguém simples poderia chegar, em apenas alguns meses.

Seus braços seguraram os tecidos que carregava mais firmes contra seu peito, erguendo a cabeça ao passar pelos guardas que cuidavam da entrada daquela ala do castelo, com lanças e espadas prontas para o combate, esperando uma ameaça inexistente. Trabalhava ali a tempo o suficiente para ser reconhecida, mas ainda precisava ter a mesma compostura que damas de verdade, para conquistar o um mínimo de respeito entre o restante dos servos.

O Castelo de Woodwridge não era muito grande, mas era suficiente para abrigar o pequeno Arthur Sanderson, que estava apenas então deixando a infância, e sua tutora, a Duquesa Smith, que estava alocada ali até a reconstrução e seu próprio lar, atordoado por um incêndio e plebeus incomodados. Em sua graça e humildade, ela aceitou a acomodação proposta do Conde Sanderson há cinco anos, desde que ela preparasse seu filho para um dia assumir o seu cargo, uma vez que a mãe do rapaz tinha falecido muitas luas atrás, vítima da peste.

A Duquesa tinha confidenciado a Katerina certa vez que suspeitava das intenções do Conde com seu convite, mas não havia indícios de comportamento impróprio entre os dois. Não, a dama estava demasiadamente comprometida com a criação do pequeno Arthur para se importar com as investidas do outro Sanderson.

— Ah. Katerina! Aí está você! — celebrou a Smith, sorrindo da janela de seus aposentos para a jovem que acabava de entrar. — Achei que tínhamos te perdido para os ventos.

— Perdão, milady, as costureiras se alongaram mais do que eu esperava. Seguiram suas estritas especificações sobre as cores, mas temo que adicionaram mais camadas de tecido do que esperava. — informou a Petrova, depositando as vestes em cima da cama.

— Imaginei que o fariam. — riu a duquesa, traçando movimentos circulares com a mão enluvada pelo vidro. — Elas temem pela minha saúde durante o inverno, viram mulheres demais serem levadas por doenças que as preces não curaram.

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