Capítulo 1

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1, 2, 3...

É assim que eu costumo marcar as cestas. A cesta de 3 pontos, de onde costumo ficar, é a cesta que deixa a plateia mais animada. A cesta de 2 pontos é a básica, não é lá grande coisa. A cesta de 1 ponto...bom, é onde você mostra o pulo mais maneiro que você conseguir.

O resto da sala (ou pelo menos as pessoas presentes) estão me julgando por usar uma bola de vôlei para acertar a cesta, mas não tenho muito mais o que fazer, era isso ou a bola de futebol, da qual os meninos roubaram trinta minutos atrás.

Em um país onde tudo que importa é o futebol, gostar de basquete não rende muito, muito menos em uma escola que está caindo aos pedaços.

O sinal (que já perdeu cerca de 60% porcento do som ao longo dos anos) tocou, apenas ignorei e lancei a bola na cesta de novo. Ponto.

- Aí, Alex! Vão bora! - João me chamou, a baixa estatura do garoto de aproximando - o fessô tá recolhendo as bolas - ele vai enxugou um pouco do suor do corpo.

Me virei para ele, lançando a bola para o professor antes de olhar pra ele de novo.

- Cê tá bem, mano? - falo me referindo a seu óbvio cansaço.
- Tô - começamos a andar de volta para a sala - meu time ganhou, mas parece que ser o capitão cobra muito mais do que eu imaginei...
- Ter que comandar dez garotos hiperativos é difícil, não se cobre tanto - consertei minha blusa.
- Poisé. E você? Alguém apareceu para jogar com você?

Neguei com a cabeça e abri a porta da sala de aula, segurando-a até que João passasse, nos dirigimos até nossas carteiras. Assim que nos sentamos, ele se debruçou na mesa e sussurrou em meu ouvido:

- Ouviu o novo boato? - ele perguntou com certa empolgação, um fofoqueiro.
- Que é? - perguntei sem nenhum entusiasmo, tirando a tampa da minha garrafa d'água.
- As meninas, a Lara, a Elisa e a Isadora, estão espalhando boatos por aí que a Larissa traiu o namorado - ele, despreocupadamente, tirou uma caneta do meu estojo.
- Legal - João suspirou ao ver meu óbvio desinteresse - vamos falar de algo mais interessante. A Bia mudou para a nossa sala.

Meu cérebro instantaneamente se acendeu, meus olhos se arregalaram e soltei a garrafa

- Sério?! - já que a sorte não estava do meu lado, minha voz soou muito alta e a sala toda olhou para mim.

Ele sorriu ao ver meu (grande) interesse na suposta aluna.

- É, e se você tiver sorte, pode tentar puxar com ela...

A este ponto, eu estava quase surtando, o pensamento do meu amor de infância (e atual, pelo visto) estando na mesma sala que eu já deixava meus hormônios à flor da pele.

Meus lindos pensamentos foram interrompidos pelo alto grito do professor ao chamar meu nome na chamada.

- Alexander! - ele gritou com aquela voz irritante.

Apenas levantei meu braço (o que era inútil desde que eu tinha quase um metro e oitenta e era facilmente vista) e dei um "eu" desinteressado. Quem foi o desgraçado que inventou de colocar o "A" no início do alfabeto?

O mesmo continuou a chamada enquanto minha mente voltou para Bia, e, eventualmente, a lugares ainda piores. Quando isso acontecia, eu apenas culpava meus hormônios adolescentes e não dava muita bola, mas agora...porra.

Logo, o professor Eduardo começou a explicar algo relacionado com a Primeira Guerra Mundial. Espiei sobre meu ombro até João, que se encontrava submerso na matéria. Nerd que joga futebol, novo tipo.

Virei minha cabeça sutilmente até João conseguir me ouvir.

- Aí, que dia que ela chega?

Ele levantou os olhos cor-de-amêndoa para mim.

- Semana que vem, se não houver nenhum imprevisto - ele olhou de volta para o livro - mas cê sabe que tem pelo menos uns vinte caras de olho nela, né?
- Tenho certeza que sou mais alta que todos eles - falei sarcasticamente - e vai falar que uma venezuelana como eu não se destaca?

João revirou os olhos, rindo.

- Tá bom, então, Sanchéz.
- Mano, meus genes são bons, eu mal tenho acne!
- Seu corpo só está atrasado em questão de hormônios, tipo, você ainda nem menstruou - ele disse sarcasticamente.

Levantei uma sobrancelha.

- E como tu sabe disso?
- É bem óbvio, Alex.

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Não vou ser clichê e falar que a aula passou voando. Demorou pra caramba. O ponteiro do relógio se arrastou enquanto eu quase morria de sede.

Uma das coisas que eu gosto sobre o João é que nós moramos no mesmo quarteirão (em outras palavras: barraco), então praticamente pegamos o mesmo ônibus todo dia, o que sobre muito tempo pra conversar.

- E o seu pai, como ele tá? - perguntei depois de uns 15 minutos em silêncio (não estávamos desconfortáveis, ficar em silêncio quando não se tem nada a dizer é bem normal pra gente).
- Ah, cê sabe, reclamando que não pode trabalhar enquanto estiver doente - disse ele, sem muita empolgação.

Assenti e olhei novamente para a janela. No geral, eu não me incomodava em ficar em pé, fiz isso a vida toda, mas tinha alguma benção de Deus que estava cheirando a salmão podre dentro to ônibus. Até um carioca tem seus limites.

Quando chegamos ao nosso ponto, descemos do ônibus e fizemos o nosso clássico aperto de mão, logo seguindo nossos próprios caminhos.

Tirei a chave do bolso e destranquei a porta, logo ouvindo os fanáticos passos do meu irmão e meu cachorro. Eu mal tinha acabado de trancar a porta novamente quando Henrique pulou nas minhas costas.

- ¡Alec!

Ele tem dois anos, não espere que ele consiga pronunciar o "x" do meu nome.

- ¡Henri, mi cuello! - gritei quando ele começou a apertar um pouco demais com o abraço - ¡Má, estoy en casa!

Abraão, nosso cachorro, começou a pular em mim até receber o devido carinho. Qual a raça? Vira-lata. Grande. E peludo. E parece um rottweiler da cor caramelo.

Logo, minha querida mãe de 1,60 de altura apareceu da cozinha, um pano de prato por cima do ombro, como sempre. E gritando comigo, como sempre.

- ¡Alec, quítate los zapatos antes de entrar a mi casa!

É, poisé, ela também não sabe pronunciar o nome que ela mesmo me deu.

- Si, má - tirei meus tênis e coloquei ao lado da porta, colocando a mochila no quarto e retornando a cozinha.

- ¿Que hay para cenar? - perguntei quando me aproximei para cheirar o delicioso aroma por cima do ombro da minha mãe.

- Pollo y okra - ela continuou mexendo a comida, seu cabelo castanho preso em um coque.

Assenti sorridente e andei até a sala, me aproximando de Henrique, o qual brincava com seu boneco do Batman.

- Você quer ir ao banheiro, Henri? - perguntei com calma, percebendo como ele ficava meio que dançando enquanto brincava.

O garoto raciocinou por um tempo a minha pergunta antes de concordar. Crescer aprendendo duas línguas ao mesmo tempo era difícil.

Logo, peguei sua mão e o ajudei a ir no banheiro, deixando que ele se virasse sozinho para vestir o short novamente.

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Depois do jantar, lavei a louça e fui assistir TV, ligando na NBA (a nossa TV, só tinha 6 canais, graças a Deus a NBA era uma delas), logo assistindo à um jogo qualquer gravado.

Graças a falta de estímulo (e ao cansaço de ter corrido o dia inteiro), o meu irmão acabou desabando no sofá, me obrigando a carregá-lo para a cama (o que não era exatamente um problema).

Coloquei ele na cama, logo apagando as luzes e me deitando também. O jogo ainda fresco em minha mente.

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