OITO - Em nome do Lobo (Parte III)

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Parte III (Final)

O farfalhar das árvores chamou minha atenção por um breve momento, e então um lampejo de memória me atiçou a cabeça. Eu lembrei, lembrei de onde conhecia Ícaro. As vozes da floresta. As histórias que ela me contava em sonho.

Ergui-me de sopetão, encarando Ícaro com uma mistura de insegurança e surpresa. Ele olhou para mim, ainda sentado, sem esboçar reação alguma.

– Estou te entediando? – Ele perguntou. Seu tom de voz expressava uma frieza que, até então, Ícaro não havia demonstrado.

– V-você. – balbuciei. – Você me vigiava enquanto eu dormia? Me contou essas histórias. Era você?! – A última frase soou mais como uma afirmação do que uma pergunta.

– Leo, não precisa ter medo de mim. Nossos inimigos se foram, assim como nosso pai.

Nosso pai. A frase ecoou em minha cabeça como se dezenas de pessoas a repetissem ao longe, no mais distante vazio que minha mente pudesse imaginar. Nosso pai.

– Você não tem 14 anos, Léo. Eu não tenho 16. – Ele disse levantando-se, lançando sobre mim um olhar esperançoso. Um olhar que, em algum momento daquela longa troca de olhares, me pareceu o mesmo olhar que...

Balancei a cabeça afastando o pensamento daquela possibilidade. Ícaro continuou parado, olhando para mim, esperando que eu entendesse algo que, até então, estivera implícito em toda aquela conversa.

A impaciência tomou conta do rosto de Ícaro, que agora avançava em minha direção com uma rajada de perguntas sem nexo:

– Eu te contei sobre os homens lobo, lembra? – Ele disse. – Te contei como eles cresciam anormalmente? Contei sobre os sacrifícios humanos, não contei? – As perguntas ecoavam em minha cabeça. Eu recuava de Ícaro ao mesmo tempo em que ele se aproximava de mim, mas parecia que ele sabia que eu não fugiria. Para onde eu iria, afinal de contas? – Vamos lá, Léo. Lembra das histórias, ou a ouça novamente. Estou aqui pra te contar. Te lembrar quem você é.

– Eu não sei do que você está falando! – Gritei. – Eu não lembro das suas histórias, eram só histórias, no fim. Porque lembraria?

Ícaro sorriu nervosamente. Então eu vi seu canino um pouco maior que o normal. Não apenas um, todos; os inferiores e os superiores. Não pareciam como nenhum outro dente que eu vira em qualquer outra pessoa. Exceto...

– Somos iguais porquê nascemos da mesma forma.

– Não. – Retruquei. – Não somos!

– Vamos lá, Leo. – Ele parou, ainda sorridente. – Iguais. Dois anos de diferença não é muito.

– Para! Para com isso! Cala a boca! – Eu gritei. O ar saindo dos meus pulmões ao mesmo tempo em que Ícaro disparava a continuar a falar.

– A natureza não dá nada de graça. – Ícaro deu de costas. As mãos na cintura, encarando o céu acima de nossas cabeças. – Viemos do mesmo lugar. Nosso pai... digo, aquele homem. Aquele MONSTRO. – Nosso pai. – A moça contou a Vasta como o vilarejo machucava virgens em troca de abundância. Era o trato desde muito tempo. Mas não foi um trato com a natureza; não. – Ele sorriu novamente, dessa vez havia um tom de dor em seu timbre. – A natureza não faz tratos. Foi assim por muito tempo. Íris era bela e amada demais por seu pai. Nosso pai. – Ele virou-se novamente para mim. Seus olhos agora estavam vermelhos, como os da criatura. – Amada demais por ele, a ponto de ele não querer que ela fosse sacrificada. Ela podia continuar sendo a filha dele: viva. Mas não havia tempo o suficiente para arranjar um casamento. Não.

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