Ao Natasha entrou na sala, o efeito de suas palavras foi grande e impactante. Eu não sabia se ficava feliz por ainda ter minha irmã ou se chorava por ter perdido meu pai, sinceramente não sabia.
Não demorou muito para que minhas pernas começassem a ficar bambas, que minha visão começasse a ficar embaçada, que o mundo começasse a girar num ritmo acelerado. Eu sinceramente não sabia o que iria acontecer a partir dali. Foi de uma vez que cai no chão e tudo escureceu de vez.
~ Algum tempo depois. ~
Sim, eu estava acordando. Olhei um pouco para o lado e vi o que já estava acostumada. Era uma pequena agulha conectada a bolsa com soro sob meu braço. Minha mãe estava no fim da cama me olhando com atenção, seus olhos vermelhos. Havia envelhecido anos em apenas uma hora, ainda assim, quando acordei ela forçou um sorriso. A mamãe de sempre, aquela que sempre se faz de forte quando na verdade, precisa que sejam fortes por ela.
Confesso que nunca fui a forte, sempre foi Natasha, mas essa havia se perdido no quarto. Não sabíamos o que ela estava fazendo ali dentro, naquele momento tão difícil para nós. Tirei a agulha do soro com um pouco força, mas não o suficiente para machucar. Rastejei até chegar bem perto da mamãe, a olhei nos olhos e finalmente consegui abrir a boca. As palavras tinham um gosto ruim e minha garganta estava embargada por elas. Preciso de um grande esforço para conseguir falar.
- Eu já vim parar aqui nesta mesma cama na ala hospitalar do palácio, várias vezes, pelo mesmo motivo que o de hoje. Desmaios. Mas... - minha voz parou de ecoar neste momento, senti o nó de choro se formando em minha garganta. Não podia parar, mas não conseguia continuar. Após alguns segundos tentei me recuperar. Mamãe me olhava atentamente, mas tentando fazer com que eu parasse. Eu não parei. - Sempre que eu acordava, papai estava aqui do meu lado esperando que eu acordasse fazendo carinho no meu cabelo ou simplesmente me olhando. E hoje, eu desejava mais do que tudo que isso acontecesse aqui, agora. Aliás, é a coisa que eu mais desejo no mundo, que ele entre por aquela porta e diga que está tudo bem, que não passou de um equívoco. Que vou ficar bem e que vamos ser uma família feliz e completa como sempre fomos. - Neste momento eu já estava chorando. No inicio segurei as lágrimas, mas depois não deu, não consegui as controlar. Ainda assim, eu tinha que terminar, juntar meus caquinhos para reconstruir o que quer que fosse. - Eu ainda espero, que ele esteja atrasado e que ele chegue aqui ao seu lado. Entrelaçando seus braços ao meu pescoço. Me dando um beijo na cabeça e com medo da sua reação ao saber.
Foi quando eu a abracei com a força que eu tinha e não tinha, tanto física, tanto emocional. Ela finalmente chorou na minha frente, eu não sabia ao certo o que dizer, nem mesmo se devia dizer algo.
Esse era um dos problemas da morte - além dela em si -quando uma pessoa que amamos a níveis extremos parte e sabemos que ela nunca mais vai voltar, que vai deixar aquele mundo fútil que nós conhecemos, ela nos deixa a sensação de que parte de nós se foi, que poderíamos ter feito mais, ter relevado menos, feito mais, ter brigado menos, e todo o resto. Este nome se chama remorso, eu sei, mas o mais engraçado é que sentimos isso e depois fazemos o mesmo, mas com outras pessoas, não aprendemos. A morte faz repensarmos em muita coisa, sobre como temos "pouco" tempo aqui, afinal, não sabemos o quanto de tempo que temos aqui, mas mesmo assim, nunca aproveitamos, nunca curtimos, ficamos tristes por besteiras. Não nos permitimos ser felizes, como se nos sabotássemos. Sim, eu queria entender, mas isso é uma coisa que só irei entender quando chegar minha real hora, quer dizer, a hora de minha morte.
Sabe aquele filme "Hora do amanhã"? Seria muito proveitoso de soubéssemos quanto tempo temos com uma pessoa, para não deixar que a futilidade ultrapasse barreiras, para que nos tornemos mais amorosos.
~ Muitas horas depois. ~
Já estava para amanhecer. Eu não tinha visto seu corpo ainda, por isso ainda tinha a mínima que seja de esperança dentro de mim de que ele estava vivo. E que fosse surgir de onde eu menos esperasse, pedindo perdão pelo susto.
Na onde eu estava? Na única coisa que poderia me ajudar naquele momento, o ballet. Eu não usava as sapatilhas, obviamente dançava descalça. Me esforçando cada vez mais, era o que a minha alma precisava. Sim, eu sentia meus pés quase implorando para que eu parasse, mas eu não conseguia parar, era como se estivesse no modo automático.
Eu tentei, algumas vezes, tentei me conter e finalmente parar. Já faziam seis horas que eu estava assim. Sono? Nem um pouco. Sede ou fome? O mesmo. Mas meu corpo me segurava, mostrando que eu podia contar com ele e que o que pudesse fazer para me sentir melhor, ele aguentaria e me daria apoio.
Meu irmão entrou na sala de dança com os braços abertos, ele já sabia e estava ali por mim. Finalmente consegui parar, mas corri até ele do mesmo modo lhe dando um abraço muito forte. Era como se ele pudesse tirar todos os meus problemas. Ao que se pareceram horas, mas na verdade foram vinte minutos, Guilherme soltou seus braços de mim. Me olhando nos olhos, ele não precisou dizer muito para que eu entendesse que eu tinha que me arrumar para ir ao enterro dele. Dele. Essa palavra é tão estranha.
Sai da sala de dança cabisbaixa, mas com meus braços por volta da cintura de Guilherme. Ele não reclamou pela primeira vez. Assim subimos as escadarias à passos lentos. Ele estava forte, e eu fraca. Como quase sempre foi, mas ele sempre esteve lá por mim. Depois de trinta minutos, mas que desta vez pareceram ter sido cinco minutos, chegamos ao meu quarto. Sim, teríamos que nos despedir por hora, então lhe dei mais um abraço apertado e um beijo a bochecha e caminhei para dentro de meu quarto, fechando a porta atrás de mim.
Quando fui tomar meu banho finalmente vi o estrago em meus pés. Eles estavam cheios de calos - mais do que o normal - e com machucados pequenos, mas fundos. Fazendo com que assim que colocasse os pés sobre a água, urrasse de dor. Mais uma coisa a enfrentar, mas desta vez eu estava sozinha como quase sempre estive. Tomei meu banho, tomando cuidado com os machucados e os limpando. Quando sai da banheira procurei por minha caixinha de curativos, assim fui fazendo os curativos necessários. Meu cabelo desgrenhado aos poucos estava ficando com a aparência de uma princesa. Meu rosto completamente inchado, eu não iria esconder em hipótese alguma. Então foi isso. Penteei meus fios de um modo rápido e os amarrei em um rabo de cavalo, logo meu rosto parecendo que havia acabado de acordar, um vestido social a altura dos joelhos preto, sapatilhas da mesma cor, sem muito glamour, eu estava tão... Natasha.
Uma pessoa que eu achei que nunca nem chegaria perto, mas do nada eu me tornei esta pessoa, na hora não percebi.
Guilherme bateu a porta do quarto e perguntou se eu estava pronta, eu só assenti com a cabeça, meus lábios estavam vermelhos de tanto que eu os mordia, mas nada disse. Ele só pegou minha mão e me levou dali. Acho que seria o momento mais difícil. Finalmente constatar que ele não iria voltar, era uma certeza, uma confirmação.
A cada degrau batia a vontade de voltar correndo, me jogar debaixo da cama e me esconder ali para sempre, mas eu sabia que não poderia fazer isso. Por isso só seguia impulsionando meu corpo para frente, como se fosse um saco de batatas. Meu irmão havia percebido isso também, não, eu não sabia o que ele estava sentindo, o que foi um tanto egoísta. Não sabia se ele realmente estava forte, ou se estava fazendo isso por nós. Com mós eu quero dizer eu, mamãe e Natasha.
Natasha estava ao lado da rainha Olga, coincidentemente, minha mãe. Só faltavam eu e o Gui. Os parentes mais distantes do meu pai já estavam lá. Quando nos viram descendo todos concentraram seus olhares sobre nós dois, coisa que eu ignorei, isso sempre me fez sentir vergonha. Mas algo estava diferente de mim, então só fiquei com a cabeça o mais erguida possível. Quando nos juntamos a mamãe e Natasha, foi que reparei que estávamos com o mesmo vestido, com sapatilhas parecidas, mas ainda assim as minhas tinham um pouco mais de brilho do que as dela, e meu rosto, era bem pior do que o dela. Ah, estou falando que estava muito parecida com Natasha.
Hoje dava para as pessoas realmente acharem que ela era Calina, e eu era Natasha. Preferi manter o silencio e continuar abraçada ao Guilherme.
~ Algumas horas depois. ~
O caixão chegou, estava fechado. Por papai ter levado um tiro não podia vir a público sua imagem, mas todos sabiam que ele estava ali. Talvez eu seja muito fraca, pois eu não me segurei, aliás, não aguentei. Assim, comecei a chorar como uma mãe quando perde o filho. Era uma dor parecida. Eu queria achar o culpado e fazer sei lá o que com ele. Todos olhavam para mim, até mesmo minha família, eu era a de pior estado ali.
Mamãe mantinha a calma por ser uma rainha e que depois teria que fazer um discurso ao seu povo, por isso segurava o choro, aposto que tinha feito muitos tratamentos de beleza, como aquilo de pepino sobre os olhos ou até mesmo ter passado gelo sobre os olhos. Aliás, esse tipo de coisa não é exatamente tratamento, mas sim uma forma de melhorar a aparência. Estranho de explicar. Geralmente funcionavam para melhorar a expressão.
O tempo ia passando e a dor aumentando, faltava pouco. As orações haviam sido feitas, os discursos, a última seria eu. Depois disso ele seria enterrado, sim, iriamos enterrar ele no nosso jardim para sempre termos nosso rei ao lado.
Subi no palco improvisado ali montado e aproximei meus lábios ao microfone. A voz não saia, mas eu teria de forçar. Fiz alguns exercícios vocais para que a voz saísse e comecei a falar:
- "Bem, o que posso dizer de Dimitri Scherbítsky? Que ele foi o melhor rei que a Rússia já teve, mas não só isso, não só sobre política. Também o melhor pai que o mundo e que minha família teve. Enquanto ele estava vivo eu não lhe dei o devido valor, perdi tanto tempo sem ele. Passando em hospitais, ensaiando para minhas apresentações e no ultimo momento de sua vida, foi isso que eu fiz, o que mais dói em mim é saber que nunca mais irei ver aquele sorriso, o mais bonito do mundo, nunca mais irei ouvir aquela voz do melhor homem do mundo, que não irei mais escutar suas melodias, ou ler o que escreveu, que não irei mais ter confidencias com o homem que mais me amou durante vida. Que tudo isso eu perdi por um ato de rebeldia de alguém que não parou para pensar por um sequer momento que eu perderia meu tudo, que ele levaria uma parte de mim, que eu nunca mais iria ter um alguém para falar sobre tudo que é importante para mim, para me apoiar, para me levantar. Sei que todos sentem e sentirão falta dele, mas acho que sou a que mais vai sentir. Pois ele não era um simples pai; era um herói; um vilão; um mocinho e um cara perfeito. Que corrigia meus erros, mas também os apoiava. Que me fazia crescer, que me fez ser quem sou hoje. Eu nunca amei, amo, ou vou amar o tanto que o amei, não existe medida capaz de medir o tamanho do amor que eu senti e sinto, e pela tristeza e pela dor que hoje rodeiam meu coração, isso tudo, vai deixar para sempre um vazio em mim, sobre a Calina atual e a Calina futura. Ontem eu perdi meu tudo, é como se eu tivesse perdido quem eu sou, o que serei e todo o resto, eu não tenho rumo, não tenho objetivos, não tenho mais nada além de um corpo sem vida. Sim, ele era minha vida, que quando partiu, me levou consigo, o meu desejo mais profundo é que Deus me leve para junto de si, e que isso nunca mais aconteça com nenhuma filha e com nenhum pai; Eu sempre vou te esperar pai, mesmo que isso ultrapassa barreiras, dias e anos, eu vou atrás do infinito para que eu possa te ver, inventar dias, anos, meses, pessoas, países, e tudo o que for preciso para te ter mais uma vez, eu espero que você só... Seja feliz, onde quer que esteja e que nunca deixe de me amar, pois sempre que eu olhar para o céu, eu vou saber que você é o Sol, ou seja noite, eu saberei que você é a Lua. Eu te amo e sempre vou amar."
E foi assim, que chorei até quase desabar ali. Para as pronunciar por completo foi difícil, mas eu tive que soltar o que estava embargado na minha garganta, mesmo que nada fizesse sentido. Para mim fazia. Não me importava com a opinião dos outros, não naquele momento.
Após isso a maioria das pessoas se foi para dentro, até mesmo mamãe. Só ficou ali eu, Guilherme, Natasha e meu tio Noah. Ele nada dizia só olhava atentamente ao caixão. Eu acho que estava fazendo quase o mesmo ou melhor, não estava, já que estavam me segurando para eu não voar até perto do caixão.
Foi quando terminaram que o choro parou um pouco. Entrei para dentro, mas não junto aos outros, passei por todos e fui para o meu quarto. Ainda tinha dificuldades em andar, mas não estava dando muita importância para aqueles dali, mamãe sim, desta vez ninguém me acompanhou.
Ao chegar la fui pegar minhas sapatilhas, já vestindo o colan e o tutu. Meus fios estavam fáceis, então em minutos eu estava pronta. Meus lábios deixaram da coloração fofinha, para super machucados; meus olhos, parecia que eu tinha levado um soco em cada um; meus pés continuavam do mesmo jeito; meus braços tinham algumas marcas de mãos, por conta de ter sido segurada.
Minutos e eu estava pronto. As lágrimas caiam sem meu consentimento, por isso, desci correndo até a sala de dança. Ao que cheguei lá liguei a música de lago dos cisnes, uma melodia calma, mas que a certo ponto ficava mais agressiva. Era a primeira vez que fazia isso, por isso tinha que estar fantástica - eu não estava -, mas tinha que fingir e dar o melhor sobre mim.
Logo que a música começou a tocar, iniciei os passos, conforme a melodia ficava mais agressiva eu aumentava o meu ritmo, tornando meu corpo um alvo da minha dor. Eu fazia as sequencias com perfeição, sei porque deixei meu celular para gravar.
Toda vez que a música acabava eu a colocava mais uma vez, aumentando o ritmo a cada vez. Deixando meus músculos cansados, mas eu não iria parar, por isso me forçava a mais, ir mais além. Enquanto rodopiava ou fazia outros passos sentia as lágrimas caídas ao chão. Era meu fim ou era meu começo? Uma nova eu ou uma velha eu? Eu estava tão confusa.
Meu mundo, o que eu sempre julguei perfeito, desmoronou de uma hora para outra. Foi muito estranho e talvez até muito brusco. Isso sim é como cair de uma montanha. Isso é cair e ninguém estar lá embaixo para te segurar. Perder meu pai não foi só perdeu meu herói, mas também foi me perder. Vocês devem achar que eu sou muito dramática, e talvez eu só seja. De qualquer forma só estou relatando a minha vida e desabafando o que aconteceu. Como aconteceu também.
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Royal Blood.
Mystery / ThrillerNuma outra realidade, a Rússia é do governo monarca. Monarquia deste país é composta pelo rei Dimitri, pela rainha Angelina, pelo príncipe Ethan, e pelas princesas gêmeas Calina e Natasha. São uma família única que dá atenção a se povo. Recebem o t...