Anatomia

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Foram engolidos pela noite, caminhando pelas ruas cheias de um verão londrino e espíritos boêmios. Pegaram o ônibus até o Hyde Park, conversando e sorrindo entre os bancos vazios e as vigas de metal. Daniel havia dobrado a barra das calças e as mangas da camiseta, amarrando os cabelos longos num rabo de cavalo, Mira continuava bela com os cabelos ondulados soltos e escuros como aquela noite de estrelas ofuscadas pelas luzes da cidade, e Antônio sorria com os olhos marcantes, sua voz agora mais grave e rouca pelo álcool denotava uma tranquilidade com a qual o mais novo ainda não estava acostumado.

Entretanto, a moça parecia conhecer muito bem, pois nesses momentos ficava mais carinhosa com ele, tocando em seus cabelos, beijando-o no pescoço e onde mais pudesse alcançar. Por vezes, Daniel podia senti-la segurando a sua mão enquanto andavam, ao passo que continuava agarrada no outro rapaz. Os três caminhavam no mesmo ritmo quando desceram do ônibus e adentraram no parque, que em noites quentes como aquela ficava aberto ao público.

Estava acontecendo algum tipo de evento a céu aberto, pessoas iam e vinham entretidas e animadas. Os sorrisos enchiam o ambiente sob as estrelas. Os três avançaram para a escuridão até às margens do Serpentine, onde descansaram apenas quando puderam ouvir o som calmo que pairava sobre as águas e o vento frio que corria entre as árvores. O cheiro era de tranquilidade. Podiam ainda escutar vozes e música ao longe, porém ali estavam seguros dos olhares.

Antonio estendeu a camisa de flanela que agora estava amarrada na cintura e Mira acomodou-se ali, esticando as mãos em direção aos rapazes para que fizessem o mesmo. Ficou no centro como se desejasse uni-los como uma cola. Daniel estava um pouco mole pelo álcool, úmido pelo calor, mas perfeitamente capaz de reconhecer a forma como seu coração batia no momento em que se acomodou ao lado da moça. Sentiu o cheiro de cigarro e o perfume quente que emanava dela, e jurava poder sentir o mesmo vindo de Antonio que estava a meio metro de si.

- Aqui é tão gostoso...

A voz dela soou como uma melodia, e não se sabia se falava do ambiente ou dos corpos quentes que estavam em suas laterais; altos e seus. Seus. Ela sentia isso. Daniel sabia que ela sentia isso, pois começava a sentir o mesmo. Seus.

Ele a sentiu encostar a cabeça em seu ombro, tão lânguida quanto estivera no ombro do namorado horas antes naquele estúdio; mas dessa vez sua respiração era cortante, ativa, como alguém que aguarda e anseia pelo que está por vir. Mesmo no escuro, Daniel sabia que ela estava acesa. A mão quente de Antonio o tocou através do corpo feminino, alcançando a lateral de suas costas, correndo por suas costelas. Era firme e tão quente que parecia febril.

E quando Daniel ergueu o olhar para fita-lo, viu que de fato estava febril. O verde de seus olhos queimava mesmo no escuro, a respiração escapava entre os lábios cheios. O loiro estava zonzo, tão desejoso que se sentia sufocar, que sentia doer. Os queria. Não podia negar, não podia fugir e sequer se atreveria a fazer qualquer coisa que o tirasse dali: queria Antonio e Mira.

O primeiro a beijá-lo foi Antonio. Era quente demais, poderia derreter ali mesmo como manteiga em seus lábios. A língua era ousada e molhada, a mão que ainda corria por suas costelas adentrava a camisa de Daniel a fim de senti-lo e tomá-lo para si. Estavam na frente da moça que os observava de perto, e eles podiam sentir a respiração dela assim como os beijos úmidos que distribuía em suas nucas, ao pé de suas orelhas. Ela mordia às vezes. Era como alguém provando e gostando de algo pela primeira vez.

A mulher entrou no beijo a fim de roubar os lábios de Daniel e o rapaz que mal saíra de um labirinto já era arrebatado para outro, dessa vez menos quente, mais molhado e mais macio. Ela gemia baixinho contra seus lábios, acariciando-lhe a nuca, soltando e puxando os cabelos loiros entre os dedos delgados. Enquanto passava as mãos pelo corpo dela, Daniel percebeu que Antonio a provocava, metendo as mãos tatuadas por baixo de sua blusa para tocar-lhe os seios.

Era ousado. Sempre foi e sempre seria, e, por todos os deuses, Daniel adorava aquilo. Tanto é que a excitação cresceu ardentemente assim que ouviu o primeiro gemido alto que escapou entre os lábios de Mira. Mordeu o inferior dela e notou que a mesma puxava Antonio para beijá-lo novamente. Agora o italiano abraçou o mais novo por completo, sentindo que a namorada se movia para ficar atrás do mesmo, e o envolveu entre os braços apertando para que sentisse seu corpo, seus jovens músculos rígidos e aquele calor absurdo que vinha de si.

Daniel gemeu e estremeceu, confuso e excitado, sentindo em sua frente o corpo do italiano e atrás de si aquele corpo delicado e macio da mulher. Depois contemplou, em estado de êxtase, Antonio e Mira se beijarem diante dos seus olhos, tão próximos que podia sentir os lábios um contra o outro mesmo que não estivesse entre ambos. E foi ali, naquele instante, que ele sentiu uma sensação de completude insana, um desejo que arrebatou-lhe os sentidos e pensamentos - eles eram de carne, de sangue, de suor, eram reais e tangíveis. Eram seus. Ao menos naquele momento, eram seus.

Os envolveu com os braços e entrou no beijo. O que num primeiro momento pareceu estranho, logo em seguida tornou-se delicioso. Encontraram rápido um ritmo gostoso para os três. Tão rápido que parecia que já haviam feito aquilo antes. Tão familiar que parecia que toda a criação divina não era em par, mas em trio. Como se Adão, Eva e Lilith fossem a criação inicial de Deus. Três.

Mira sorriu depois daquele beijo. Estava de olhos fechados, suavemente ofegante e risonha entre os braços dos rapazes que ainda trocavam carinhos entre si. Antonio beijava devagar o pescoço de Daniel que mordia o lábio inferior, tão entregue quanto os demais. As mãos de Mira estavam entre as suas, e ele as levou aos lábios a fim de beijá-las devotamente antes de se inclinar para roubar dela um beijo suave.

Suspirou. Ainda estava excitado, mas todos ali estavam da mesma forma, apenas sabiam que não queriam fazer nada naquele lugar. Deitaram-se, então, na grama fria, dessa vez Antonio no centro, de frente para as estrelas enquanto Daniel e Mira permaneciam de bruços, como se desejassem olhar e gravar na memória aquele momento.

- Você ainda vai querer falar com esse casal estranho amanhã de manhã?

Daniel esperava aquela pergunta de Mira, que os olhava com o rosto bobo e iluminado, mas ela acabou vindo de Antonio, com sua voz grave, calma e os lábios vermelhos. Seus olhos estavam na escuridão dos céus e no brilho tímido das estrelas. O mais novo viu quando a outra olhou para ele, desejando ouvir uma resposta. O coração de Daniel estava em chamas, explodindo de uma felicidade genuína.

- Na verdade, eu estava pensando em cumprimentar vocês com um beijo - respondeu com um sorriso em seus lábios, sabendo que eles faziam o mesmo na escuridão.

***

O cheiro deles estava em todos os lugares; em suas roupas, em seus cabelos, em seus lábios. Impregnado, quente e marcante. Daniel não queria deixá-los ir, então fez questão de não tomar banho apenas para continuar com os perfumes que se misturavam ao seu. A ereção que havia disfarçado durante todo caminho até sua casa ainda latente.

Sorriu para si mesmo, inebriado com a ideia de que era correspondido, de que era desejado e que tinha os dois para si. O desenho não estava mais em sua bolsa, pois tinha presenteado Mira com ele como havia dito que faria. E se dependesse dele, seria o primeiro de muitos presentes que pretendia dar aos dois. Riu consigo e fechou os olhos; mal podia acreditar. Naquela noite, antes de dormir, gozou pensando neles, olhou o céu pela janela e imaginou o outro dia. Sentindo-se feliz.

Pincéis e AmoresOnde histórias criam vida. Descubra agora