"A solidão pode habitar mesmo os lugares onde somos o mundo de alguém."
"O riso debochado, o preconceito escancarado doem mais que a imagem de um rosto dilacerado ao espelho."
-AutoraEra assim que vivia Edoardo Vassalli desde de a morte da única família que conheceu, seu pai. Sua mãe provavelmente foi uma meretriz que faleceu jovem e ele mal chegou a conhecer, por isso as pessoas passaram a crer que sua aparência se devia ao fato de ele ser amaldiçoado.
Seu pai chamava-se Enrico Vassalli, era um aristocrata de família muitíssimo rica, mas que cresceu ainda mais pelos seus próprios esforços para se libertar do jugo que sua família lhe impunha por não ser como seus irmãos mais velhos. Ele ora ou outra ia à bordéis da cidade grande, onde apenas conversava com os amigos e via apresentações de dança, mas certa noite viu uma moça que lhe chamou muito atenção e passou a visitá-la. Ela logo engravidou, nesse ponto eles já estavam morando juntos a um tempo, porém poucos meses depois de dar a luz veio a falecer de febre.
Quando a família do jovem tomou conhecimento da criança e que ele pretendia criá-la, trataram de tirá-lo do registro da família. Ele criou seu filho na alta sociedade por uns três anos, porque apesar dos comentários, não tinha vergonha de Edoardo, porém a partir de certa idade o menino já compreendia o desprezo e sofria.
A partir de então, Enrico mandou construir um castelo para viver com ele em um vilarejo longe de tudo aquilo. Os três anos que se seguiram até a conclusão da construção foram vividos pelos dois reclusos, com Edoardo aprendendo jardinagem com o pai.
Findado esse tempo se mudaram para o castelo, era uma propriedade enorme nas montanhas, longe de tudo, mas perto o bastante para se buscar provisões no vilarejo, coisa que o menino nunca fez, mesmo assim viviam felizes e livres, com um jardim enorme que cultivavam juntos.
Enrico o protegeu de absolutamente tudo, menos da tragédia que voltaria a assolar a pequena família.
Quando Edoardo já tinha dezesseis anos, seu pai sofreu uma queda violenta, batendo com a perna em uma pedra pontiaguda. Apesar do desespero inicial, ele soube exatamente o que fazer, colocou o homem em sua costas e desceu montanha abaixo.
No vilarejo, porém, ao verem o rosto desfigurado do rapaz, julgaram ter sido ele quem feriu o homem já desacordado que carregava. E gritavam assombrados: "o monstro o matou!". Ele protestava em lágrimas, mas ao perceber uma certa hostilidade se instalar, retornou para casa com as últimas forças que lhe restavam e tratou de cuidar ele mesmo. Depois disso, sempre voltava lá sozinho, mas era sempre zombado e ninguém lhe dava ouvidos.
Passadas algumas semanas, o machucado obviamente não melhorou e seu pai começou a sentir febre. E, apesar da última experiência, decidiu descer novamente dessa vez com uma capa para buscar um médico.
O senhor ao chegar olhou a situação e lamentou: "não há mais que eu possa fazer, se ele tivesse sido tratado no momento em que caiu, já estaria bem, mas agora, é inviável, eu sinto muito".
Alguns dias depois, Enrico faleceu.No presente, anos haviam passado, sem visitas, sorrisos, conversas. Apenas Edoardo e seu castelo negro, mesmo as flores de seu enorme jardim eram obscurecidas pelas dolorosas angústias da mansão, apenas seus espinhos brilhavam à luz da lua. Pois apenas espinhos sobraram em sua vida carregada de dores, e esses cercavam seu coração até sangrar.
Mas nada disso se comparava à solidão que sentia ao descer a montanha, ver o vilarejo sempre alegre e festivo, ouvir risadas e gargalhadas, conversas despreocupadas, calorosas como o sol da primavera, lhe oprimia o coração. Pois a ele restava apenas um jardim cheio de espinhos.
"Nesse jardim cheio de solidão florescente, eu me amarrei a este castelo de areia cheio de espinhos."
-The Truth Untold (BTS)
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Smeraldo A Flor Azul
Historical FictionInspirado na história que inspirou a música "The Truth Untold" do BTS. Uma jovem bailarina nobre é obrigada a deixar toda a realidade na qual cresceu e partir com sua avó doente e irmão mais novo para uma vila logo após a morte de seu pai. O tio que...