UM

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MINHA MÃE ENTROU EM ÊXTASE QUANDO PEGAMOS A CARTA NO CORREIO. Ela já tinha decidido que todos os nossos problemas estavam solucionados, tinham desaparecido para sempre. O grande empecilho em seu plano brilhante era eu. Eu não me considerava uma filha muito desobediente, mas também não era uma santa.

Não queria ser da realeza. Não queria ser Um. Não queria nem tentar.

Escondi-me no meu quarto, o único lugar onde podia fugir do falatório da casa cheia.

Eu não conseguiria escapar da minha mãe por muito tempo. Era quase hora do jantar, e eu, a filha mais velha que ainda morava em casa, tinha que ajudar na cozinha. Pulei da cama e caminhei para o ninho de cobras.
Minha mãe me recebeu com um olhar furioso, mas não disse nada.

Nós duas nos movíamos pela cozinha e pela sala de jantar sem falar — como em uma dança silenciosa — enquanto preparávamos frango, macarrão e torta de maçã, e púnhamos a mesa para cinco pessoas. Bastava eu desviar os olhos do que estava fazendo para ela me corrigir com um olhar severo, como se assim fosse me deixar constrangida o bastante para querer as mesmas coisas que ela. Minha mãe usava essa tática às vezes. Quando eu queria mudar de emprego porque achava que a família que nos hospedava era grosseira sem necessidade. Ou quando ela queria que eu fizesse uma faxina pesada porque não tínhamos dinheiro para pagar alguém do Seis para nos ajudar.

Minha mãe não tinha o que fazer quando eu teimava. Puxei a ela, de modo que não podia ficar surpresa. Mas o problema não era só comigo. Ela andava tensa. O verão chegava ao fim e logo viriam os meses frios. E as preocupações.

— Mas você vai morrer se preencher o formulário? — ela disse, sem se aguentar. — A Seleção pode ser uma oportunidade maravilhosa para você, para todos nós.
Suspirei alto, pensando que preencher aquele formulário seria como a morte para mim.

Não era segredo que os rebeldes — as colônias subterrâneas que odiavam Illéa, nosso vasto e relativamente jovem país — investiam em ataques cada vez mais frequentes e violentos ao palácio. Já tínhamos visto os rebeldes em ação em Carolina. A casa de um dos magistrados fora completamente incendiada, e os carros de pessoas da Dois foram destruídos.

Houve até uma espetacular fuga da prisão: eles libertaram uma adolescente que engravidara e um Sete que era pai de nove filhos, de modo que até eu achei que eles estavam certos daquela vez.

— Os últimos anos têm sido muito difíceis para seu pai — minha mãe estrilou. — Se você tiver um pouco de compaixão, vai pensar nele.

Meu pai. Sim. Eu queria ajudá-lo. E May e Gerad. E até minha mãe. Eu não tinha como sorrir diante da maneira como ela expôs a situação. Fazia tempo demais que as coisas não iam bem. Eu me perguntava se meu pai veria a Seleção como um meio de fazer com que tudo voltasse ao normal, se é que o dinheiro podia melhorar as coisas.
Não que nossa situação fosse tão precária a ponto de temermos por nossa sobrevivência ou algo assim. Não éramos miseráveis. Mas acho que não estávamos muito longe disso.

Nossa casta era a terceira antes do fundo do poço. Éramos artistas. E os artistas e músicos clássicos estavam só três degraus acima da sujeira. Literalmente. Nosso dinheiro era curto, vivíamos na corda bamba e nossa renda dependia muito da mudança de estações.
Lembro-me de ter visto num livro de história bem gasto que todas as datas especiais costumavam ser comemoradas nos meses de inverno. Halloween, Ação de Graças, Natal e Ano-Novo. Um depois do outro.

O Natal ainda era no mesmo dia. Não dá para mudar o aniversário de uma divindade. Mas quando Illéa firmou o grande acordo de paz com a China, o Ano-Novo passou para janeiro ou fevereiro, dependendo da lua. Todas as comemorações de Ação de Graças e do dia da independência da nossa metade do mundo foram reunidas na Festa da Gratidão, realizada no verão. Era tempo de celebrar a formação de Illéa, de nos alegrar por ainda existirmos.

A seleção - Por Percy Jackson Onde histórias criam vida. Descubra agora