Dois

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Ethan

O verão é intenso por aqui. Eu ainda não sei distinguir muito bem quando as estações se iniciam ou quando elas terminam, mas eu ouço algumas pessoas dizendo que o clima não influencia tanto como em alguns outros países.

Já é fevereiro e também é o meu primeiro dia de aula! Eu estou muito nervoso. Será que terão outros alunos novos? Bom, só indo lá pra descobrir...

Nós conseguimos arrumar um terço das coisas da casa, no geral. Tá sendo um trabalho e tanto! Ainda está tudo desorganizado, acho que não vou chamar ninguém pra vir em casa até o ano que vem.

Hoje é segunda-feira, passei parte da noite treinando como falar português e trabalhando no meu discurso de apresentação para a classe também, já o resto da noite eu não consegui dormir por conta da grande ansiedade que tava tomando conta dos meus pensamentos.

Enquanto encaro o meu rosto de cansado no espelho do banheiro, eu me pergunto se vão pensar que eu sou um morto-vivo ou algo assim. Seria bem vergonhoso.

- Qual é, Eloise... Me empresta o seu corretivo, só hoje! Olha a minha cara! - Exclamo tristemente, enquanto olho para ela apontando para o meu rosto.

- Tá! Tá bom, mas vê se disfarça, da última vez que você usou maquiagem o papai quebrou a garrafa de vidro na sua cabeça.

- Na verdade ele quebrou uma feita de plástico, a minha cabeça doeu bastante depois. Mas eu sou profissional em esconder as mais diversas coisas, até mesmo as minhas olheiras.

Sorrio orgulhoso e começo a passar o produto que minha irmã me emprestou na área dos meus olhos.

Será que vão entender o meu nome!? Eu nunca vi um Ethan brasileiro! Será que eu vou tropeçar e cair no meio de todo mundo? Ou pode ser ainda pior!

- Bom dia, alunos. Ou melhor, bonjour! - ele dá uma risadinha do própio trocadilho - Eu especulo que vocês já tenham notado que nós temos dois alunos novos aqui na nossa turma, e eles vão se apresentar para vocês aqui na frente. Podem vir!

O professor olha para mim e para Eloise, que vamos diretamente para a frente, nos apresentarmos. Eu tenho muitas perguntas... Por que tem duas garotas da segunda fileira de carteiras no fundo dando risadinhas? Esse professor sempre faz piadas sem graça? O que diabos significa "especulo"?

Decido tentar ao máximo parar de pensar em tudo isso e focar em minhas próprias palavras, mas é uma missão totalmente impossível. As minhas pernas estão tremendo tanto que parece que eu vou cair no chão a qualquer momento... Eu preciso acabar com tudo isso logo!

- Oi, o meu nome é Ethan, eu tenho quinze anos e eu me mudei pro Brasil recentemente. Eu gosto bastante de teatro, jogos e das músicas do VIDEOCLUB. Eu e ela somos irmãos gêmeos - Disse, me referindo à Eloise, que iria se apresentar logo depois de mim.

Dou um sorriso sem graça tentando disfarçar a forma tosca e pausada que falei.

- Bom dia! O meu nome é Eloise, eu tenho quinze anos, e... - Ela faz uma cara confusa, como se não tivesse ideia do que está falando - O Ethan fala enquanto dorme!

Isso que dá dormir a noite inteira ao invés de treinar as falas... Talvez eu seja muito amargurado.

Algumas pessoas da sala de aula começam com sorrisos confusos, dando sequência a uma onda de risadas da situação. Bom, se a suposta pessoa que fala dormindo não fosse eu, eu também daria risada. Sinto minhas bochechas arderem, e provavelmente entrando em um rubor parecido com um rosa da cor de um chiclete sabor cereja que eu adoro mascar.

Até tento formular alguma frase sarcástica contra a afirmação da garota, mas falho e apenas a mostro o meu dedo do meio. A turma dá risada de novo, mas o professor interrompe o momento e nos manda sentarmos em alguma cadeira livre. Me sento perto da janela enquanto tento me esquecer da vergonha que acabei de passar na frente de todo mundo. Desconto todo o nervosismo mordendo os meus lábios.

- Ei, cara... Cê tá bem?

Me viro para trás e vejo um garoto de cabelos cacheados a falar comigo. Ele arruma um óculos redondo no rosto dele e dá um sorriso mostrando covinhas fofas nas bochechas, sem parecer nem um pouco preocupado.

- Ah, tô, é que... Sei lá, eu sou meio ruim falando, e...

- Eu também sou. Eu só fiquei meio preocupado, você parecia bem nervoso e suas pernas tavam, tipo, tremendo.

Eu realmente não sei como eu posso responder isso. Fico meio boquiaberto, pensando se ele está falando sério ou se está brincando com a minha cara. Não respondo nada.

- Vem cá... Tá tudo bem, OK? Todo mundo ficou meio impressionado! Tipo, eu nunca tinha visto um gringo pessoalmente, muito menos irmãos gêmeos gringos. - Ele sorri

- Ah, sim...

Olho para algum ponto do local que não seja o menino e vejo minha irmã batendo papo com algumas garotas do outro lado da sala, confesso que as vezes tenho inveja por ela ser tão boa nessas coisas de interação. Então, olho para o professor, que tinha anotado algumas páginas na lousa e está mexendo no celular agora. Então volto meu olhar ao garoto da mesa de trás

- Qual é o seu nome?

Ele tira os olhos do caderno de desenho, me encara e apoia o queixo no própio braço.

- Jonathan.

Jonathan... É, ele tem cara de Jonathan. Ele tem cara de quem tem pôsteres no quarto de artistas que tocam Jazz e Folk, tem um cachorro Beagle, gosta de ler histórias de comédia e adora café.

- Por que você tá me encarando desse jeito? - Pergunta Jonathan.

- A-ah! Não é nada, é que às vezes eu fico...

- Viajando?

- Quê? Mas viajar não é quando a pessoa vai em um avião, ou...?

Jonathan deu um suspiro, mas riu em seguida.

- É, deixa isso pra lá, Ethan.

Ele fala meu nome de um jeito bem engraçadinho, até que é fofo ver alguém me chamando assim.

- Fala meu nome de novo? - Sorrio

- Por quê? Eu falei errado? - Pergunta ele com uma careta de vergonha.

- Eu nunca tinha parado pra pensar que o sotaque brasileiro é tão fofo... Ou é só você que me chama assim?

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