Natasha bateu à porta de Pedro às 9h, conforme combinado. Tocou a campainha várias e várias vezes até que, cinco minutos depois, ele apareceu, se espreguiçando. Os cabelos negros completamente despenteados, a linha em V na sua cintura era lisa, sem pelo nenhum. O peitoral era meio magro, mas definido. O menino apoiou a mão esticada na testa e apertou os olhos azuis que brilhavam, confusos, sob a luz do sol. Atrás dele, Jack descia as escadas. Também estava sem camisa, mas foi a única coisa que a menina observou.
— Entra. Desculpa a demora. A gente jogou até de madrugada. Tô caindo de sono.
— A gente pode marcar pra outro dia.
— Não. Relaxa. Entra aí.
A sala da casa dele parecia um consultório hospitalar. Era toda branca, com móveis cinzas. Tudo minimalista demais. O completo oposto da sua, repleta das almofadas e quadros coloridos que a sua mãe ama.
Ela sentou-se à mesa e esperou que o menino descesse com o caderno e uma caneta. Jack fez o mesmo. Ambos com cara de sono e bafo de cerveja.
— Vocês não querem tomar um banho? Eu espero.
— Eu quero me livrar logo disso, nerd.
— Mas assim vocês não vão aprender nada e eu vou perder o meu tempo.
— Você é boa professora ou não é?
— Vai te fuder.
— Calma, calma, pessoal. 9h da manhã ainda e vocês assim. Relaxa.
Natasha abriu o seu livro de filosofia, cuja lateral superior trazia uma enorme foto em preto branco de Jean-Paul Sartre.
— Ele era zarolho. O que mais?
— Estrábico, Jack. O correto é estrábico.
Os dois abriram os livros e se curvaram para frente, a fim de ouvir o que a menina começava a explicar. Ela falava bem, dominava o conteúdo, poderia dar uma palestra de duas horas sobre o assunto, na opinião de Pedro.
Jack, enquanto isso, desenhava um foguinho ao lado da foto; por sua vez, ao lado do foguinho, desenhava olhos.
— Você me fez vir aqui explicar pra ficar desenhando, velho? Eu poderia estar andando de skate.
— Calmô, calmô. Eu tô te ouvindo, sim.
— Tô vendo.
— O que foi que você acabou de me dizer? Sobre o zarolho. Desculpe, estrábico. Sobre o estrábico.
— Que o inferno são os outros.
Ele apontou com a ponta do lápis para o desenho do foguinho.
— O que mais?
— Que os olhos são as janelas da alma. E que a filosofia sartriana defende que a presença dos outros é fundamental na formação da nossa identidade. No entanto, essa relação é ambígua, porque, por um lado, precisamos dos outros para nos reconhecermos e nos definirmos, mas, por outro, a presença de terceiros pode ser opressiva, pois eles nos olham, nos julgam e nos categorizam, limitando nossa liberdade.
Ele apontou para o olho cinza ao lado do foguinho.
— Olhos, inferno. Tá tudo aqui. Tô tomando nota.
— O café bateu, galera. Já volto. - Pedro levantou, dando dois tapinhas na barriga, e caminhando para o banheiro.
Natasha pegou o lápis de Jack e fez outro desenho. Uma corrente e, ao lado, uma pomba da paz. Ele ergueu uma sobrancelha, sem compreender.
— Vamos lá. Pense.
Ele espremia tanto os olhos castanhos que ela conseguia escutar o macaquinho batendo os dois pratos dentro de sua cabeça, mas nenhuma resposta saía. O menino olhou para os parágrafos que explicavam o conteúdo, mas nada surgia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Natasha
أدب المراهقينEsse livro narra uma história de amor carregada de nostalgia dos anos 2000, com pistas de skate, orkut e muito emo. ♥ O ano é 2010. Manu Gavassi estava aparecendo, mas Natasha era fã de Charlie Brown Jr. Quase todos os dias ela tentava sair para a...