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Wendel Medeiros

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Wendel Medeiros

"Nunca imaginei que poderíamos viver como se já estivéssemos mortos. Andamos nas mesmas ruas. Pegamos os mesmos transportes. Falamos com as mesmas pessoas assim como antes, porém em determinado momento algo se rompe.

Perdemos o tesão por nos manter vivos.

Não importa mais.

Não vale a pena. É um caminhar solitário e pesado.

Sim, pesado, por mais que tentamos não admitir isso. A vida perde o sabor doce que ela tivera antes e adquire um simples amargor. Tal como tomar vinte gotas de dipirona e não ter sua mãe ao lado pra te oferecer algo que tire o gosto mais rápido, da mesma forma que faziam quando éramos crianças.

É triste, como já havia dito solitário. E permanecemos seguindo o curso que a vida resolveu nos dá. Uma rotina que te adoece mais.

É uma briga constante consigo para admitir que as coisas poderiam ter sido diferentes, e poderíamos nos esforçar mais para que fosse, mas não é fácil. Quisera eu que fosse.

Tudo permanece ligeiramente igual.

Sair perde o gosto de diversão e aventura, e toma o desesperador gosto do "esquecimento".

É, o álcool ajuda e muito. Uma garota dançando sensualmente na sua frente te ajuda depois que vai embora junto com você. A nicotina te ajuda. Tudo vem em prol de te ajudar a esquecer naquelas próximas horas. E infelizmente o gosto doce não dura e mais uma vez retorna o amargor.

Em algum lugar ouvi dizerem que "A vida é da cor que você pinta" mas ninguém te avisa que você pode colorir da cor que bem entender e virá alguém em um determinado momento e te descolore. E teremos que conviver com isto.

Contudo, ainda me acho irresponsável e nitidamente egoísta, pois como eu posso dizer pra você que eu permaneço a passos lentos como um morto vivo, se ainda assim, vivo aquele fatídico dia todos os dias.

Em cada segundo.

Em cada milésimo.

Em cada gotícula de sangue que corre desenfreadamente nas minhas veias.

A verdade é que ver a face da morte diante dos seus olhos e não ser levado por ela te destrói. Te arrepia a espinha e te faz perder os sentidos.

Diferente de tantos outros, Deus me deu uma nova chance. E eu queria muito ser grato. Queria muito voltar a viver da forma que tem que ser, mas o acho tão egoísta quanto eu, que em troca de uma vida, deixou que a morte levasse três consigo.

E diariamente ao levantar da minha cama torno a me questionar: Por que eu?

Sinto falta do que eu era, e não sou o único. Meus pais também sentem até mais do que eu, e percebo isso todas as vezes em que eles me chamam para uma conversa cotidiana e me recuso a dialogar vendo os olhares de pena sobre o meu corpo vazio.

A vida tem a cor que você pinta.

Talvez a minha tivesse um tom azul, que remetesse à calma. Ou laranja para remeter o meu antigo bom humor, mas no dia que a minha vontade de viver foi arrancada, fui obrigado a vê-los violentamente pintá-la de vermelho.

Um vermelho intenso tão escuro como a imensidão dos olhares de pena que me rodeiam agora. Tão devastador quando o barulho dos tiros.

Tão sórdido.

E o único olhar que por um segundo me fez voltar a viver foi o seu.

Um olhar de cura.

Um olhar que me deu ânimo pra viver e mesmo assim, o eu que domina essa casca agora não conseguiu fazer o que deveria ser feito: viver intensamente com você.

Deixar com que você me pintasse de uma cor melhor e com a minha total autorização.

O eu quebrado insiste em não te dar espaços com o impulsivo medo de renascer mas morrer novamente por um possível erro.

Espero que um outro alguém não te quebre com seus próprios traumas como eu te quebrei. Como eu tirei o brilho dos seus olhos que insistiam em me curar. Alguém que te dê ânimo e que te ame da forma que tem que ser. Dá forma que eu não pude.

Queria dizer que sinto muito e ao mesmo tempo, não sinto absolutamente nada."

PACTO DE SANGUE - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora