Capítulo 1

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Por quanto tempo é possível sustentar uma mentira? Depois de quantas vezes contando a mesma história ela se torna de fato, verdade? E como distinguir o que é real do que não é?  Mentir não é a melhor opção com certeza, mas às vezes é a única opção

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Por quanto tempo é possível sustentar uma mentira? Depois de quantas vezes contando a mesma história ela se torna de fato, verdade? E como distinguir o que é real do que não é?  Mentir não é a melhor opção com certeza, mas às vezes é a única opção. Quando a sobrevivência é colocada em risco, a mente procura lugares escondidos na escuridão das possibilidades e talvez algo que não fazia sentido antes, começa a fazer.

E aquele molde de moralidade e valores às vezes se desfazem revelando outra face do mesmo rosto. E em alguns momentos outra faceta da mesma pessoa. E é perigoso viver uma outra vida assim. Porque chegaram momentos que você se pegará pensando se realmente existia mesmo outra face. Será que não era isso, o tempo todo. Sempre esteve ali e você apenas não percebeu.

E eu mantinha aquilo. Uma teia de mentiras que ora eu era a aranha dominante e sagaz, ora a mosca assustada e perdida. Caralho. Como andar de ônibus me deixava reflexiva. Quase nunca pensaria em merdas assim se não precisasse ficar exatos uma hora e vinte minutos sentada nessa lata gigante que balança para chegar ao meu trabalho. Ficar em silêncio me fazia refletir. E no geral. Não gostava disso.

Mas como tinha tempo. Deixava os devaneios correrem como cachorros loucos em minha cabeça. Estava sentada no banco atrás do motorista, naqueles que só uma pessoa pode sentar. O dia lá fora estava nublado e ainda sim estava quente como uma marmita fechada. Geórgia era assim. Sempre calor mesmo quando o sol não se fazia presente. E foi a primeira coisa que reparei quando cheguei aqui, o mormaço.

Quando era menor, boa parte da minha infância morei com minha tia Carmen, no interior do estado. Meus pais se divorciaram antes do meu nascimento e não fazia sentido para ambos criarem uma filha juntos, a deixando assim com a irmã legal do meu pai, Carmem. Tive uma vida comum sem muitos luxos. Nessa época eu possuía muitos amigos que precisei deixar para trás, uma ilusão de vida perfeita que também caiu por terra.

No final ficamos eu, meu ímpeto de ser algo maior e uma mala de roupas chegando até rodoviária vindo para a capital.
Passei por algumas questões difíceis sendo uma menina de 17 anos morando sozinha em um lugar novo. Por isso, mais do que nunca, precisei pensar em mim acima de tudo. Mesmo que isso envolvesse mentir, muito. Eu não poderia me culpar apesar de fazer isso todas as noites. Não possuía alguém para quem pudesse pedir ajuda, ou, abaixar as barreiras. Depois da partida da tia Carmen, era só a mim no mundo.

Trabalhei em uma lanchonete por um tempo, onde ficava na cozinha. Os donos eram simpáticos e eu poderia levar itens para a casa, o que me ajudava com os gastos alimentícios. Morava em uma pensão que encontrei na internet, passava o dia todo trabalhando e a noite as vezes não conseguia dormir porque os vizinhos brigavam até quase se matarem.
Foi quando... foi exatamente nesse momento que ela surgiu para mim. Quase como um milagre enviado dos céus. Não foi fácil no início, a Kimberly Madre que costumava ser não parece em nada com o que sou agora. Não, não. Quando entrei na faculdade abandonei o cabelo longo na cintura que preservei por anos, mas mantive a franjinha, aluguei um apartamento no centro e comprei um gato persa branco que carinhosamente nomeei de Clóvis.

Kim. Onde histórias criam vida. Descubra agora