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Atila

- Poxa tio, libera uma grana aí!

- Não Leo, não vou dar dinheiro pra você matar aula.

- Eu não vou matar aula tio, prometo.

- Não minta pra mim garoto, eu te conheço desde que você nasceu.

- Mas tio, eu só quero uma grana pra poder comprar um lanche.

- Não, você quer uma grana pra comprar o ingresso do cinema pra ver aquele filme de terror que não é recomendado para crianças da sua idade enquanto você devia estar na aula de matemática.

- Mas matemática é tão chato...

- Pode ser chato, porém será muito importante na sua vida, então trate de gostar ou de pelo menos se esforçar para entender. Agora, pegue suas coisas e vamos, não quero que você chegue atrasado para sua aula.

Leandro, meu sobrinho de 8 anos, está passando um tempo na minha casa enquanto minha irmã está em uma viagem de trabalho. Quando ela pediu para que eu cuidasse do garoto eu pensei que seria moleza, afinal, nós nos damos muito bem. Mas ter que lembrar dos horários de seu remédio para a alergia, lavar e passar suas roupas e continuar com a dieta balanceada que seu organismo foi acostumado a ter devido as práticas saudáveis impostas pela minha irmã é bem mais complicado do que eu achava. Eu com meus 32 anos sei muito bem cuidar de mim mesmo, mas cuidar de uma criança, por mais crescida que ela seja, não é exatamente o que eu quero para a minha vida, não no momento. Fazem apenas duas semanas que Emília foi viajar e mesmo assim, eu ainda não consegui entrar numa rotina com o garoto. Os barzinhos e as mulheres foram esquecidas desde então e eu já estou sentindo muita falta disso.

Admiro Emília por conseguir cuidar bem desse garoto sem a ajuda de um namorado, marido ou dos próprios pais. Ela é minha irmã mais nova. Mas é muito mais responsável, inteligente e prática do que eu. Acho que ela pensou mil vezes antes de pedir para eu cuidar do moleque, com certeza eu era a única opção. Mal sabe ela que eu tenho me saído muito bem cuidando dele. Exceto pela vez que esqueci que ele era alérgico a peixe e fiz uma salada com pasta de atum que o deixou muito inchado e tive que correr para o hospital. E também teve aquela vez que eu simplesmente perdi a hora e não o acordei pra ir a escola, e ele acabou perdendo uma prova muito importante de português, passei horas tendo que convencer a diretora do colégio a deixar que ele refizesse a prova outro dia. Mas tirando essas duas e pequenas besteirinhas, de resto eu tenho me dado muito bem. O garoto está vivo, não está?

- E aí garoto. Já tá pronto?

Ele saiu do quarto com a cara mais emburrada do mundo, com sua mochila nas costas e a lancheira na mão.

- Tô pronto, tio.

- Quer saber garoto. Vamos fazer o seguinte. Eu te levo, no final de semana, pra ver esse filme. Mas, vamos deixar combinado duas coisas. A primeira é que você não vai contar pra sua mãe que eu te levei lá. E a segunda é que você não vai fazer xixi na cama depois de ver o filme. Combinado?

- Mas eu nunca fiz xixi na cama, tio Atila.

- É, mas tem uma primeira vez pra tudo Leo. Então, estamos combinados?

- Feito. Obrigado, tio Atila.

O garoto me abraçou pela cintura e eu esfreguei seus cabelos castanhos. Leandro é um ótimo garoto. Meigo, inteligente e engraçado. Sabe ser educado, responsável e principalmente, amável.

- Tá bom garoto, agora vamos. Não quero que você chegue atrasado novamente na escola.

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Quando chegamos no Colégio Dona Amélia, todas as crianças já haviam entrado. Estávamos quinze minutos atrasados. Isso quer dizer que seu eu não entrar e explicar à professora do Leo que o atraso foi culpa minha, ele não poderá mais assistir a aula daquele dia. Essa escola que Emília escolheu é do tipo cara, chata e rigorosa.

- Vamos tio, se você não me levar na sala, eu não poderei assistir a aula.

- Tá bom garoto, já tô indo.

Desci do carro e o tranquei, peguei a mão de Leo e ele me guiou para dentro da escola, até a sua sala. Sala 607. Bati uma vez na porta, para pedir permissão à professora.

- Pode entrar.

Abri a porta e já fui logo me desculpando pelo o atraso.

- Bom dia, eu gostaria de me desculpar pelo meu atraso que acabou acarretando no atraso do meu sobrinho, mas é que...

E de repente a minha voz sumiu. O que eu estava dizendo mesmo? Não me lembro, esqueci totalmente de aonde eu estava no momento em que a vi. Que mulher linda... Ela prendia seus cabelos ruivos em um coque baixo, vestida com o uniforme de uma professora de escola infantil, estava com uma caneta pilot preta nas mãos e nenhum tipo de maquiagem, nem ao menos um batom. Como ela era encantadora. Um sorriso de menina, um rosto meigo e aqueles olhos verdes.... Aqueles intensos olhos verdes.

- Ei, tio...

Leandro puxou minha mão. Ao que parece eu estava ali parado feito bobo havia alguns minutos. A expressão confusa daquela encantadora mulher demonstrava isso.

- Você deve ser o tio do Leandro. Muito prazer.

Ela estendeu a mão para mim. Mãos lindas, delicadas, pequenas e macias. E aquela voz? Que voz doce e sonora. Eu poderia dormir ouvindo-a cantar. Eu estava extasiado.

- O prazer é todo meu, eu sou Atila. Queria me desculpar pelo atraso do Leo. É tudo culpa minha, professora...

- Agnes, meu nome é Agnes. Bom, não tem problema, eu acabei de iniciar a aula. Leo, pode se sentar no seu lugar.

Leo largou minha mão e se sentou na sua cadeira, que pelo visto era a mesma todos os dias. Foi então que eu percebi que o resto da turma me olhava com expressões que diziam que eu já deveria ter ido embora faz tempo. Então me recompus. Eu sou um homem. Não vou ficar babando por uma professora de ensino infantil. Pelo menos não na frente de tantas crianças.

- Bem, obrigado Agnes. Foi um prazer conhece-la.

- O prazer foi todo meu, Atila.

Saí daquela sala apressadamente. Mas era isso ou eu não sairia nunca mais. Fazia quase dez anos que eu não me encantava assim por uma mulher. O que era uma loucura, porque Agnes mais parecia uma menina. Agnes... que nome lindo.

AgnesOnde histórias criam vida. Descubra agora