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Átila

Cheguei pontualmente às 18 horas. Todas as crianças já haviam saído da escola há tempo e alguns professores também. Não encontrei ninguém no caminho até a sala de Agnes. Todas as salas estavam com as luzes apagadas e a porta trancada. Tudo estava em silêncio. Cheguei a pensar que ela também poderia ter ido pra casa, mas ouvi uma música suave vindo do final do corredor, na direção da sala dela. Eu reconhecia aquela música. Minha mãe adorava ouvir essa música no rádio durante o café da manhã. Dizia ela que era a música que tocava no rádio do carro quando meus pais deram o primeiro beijo, ou algo assim. Conforme me aproximava da sala, podia ouvir a voz de Agnes cantarolando com aquela música. Era doce e tão musical. Aquela voz e aquele timbre foram feitos para aquela música. Foram feitos para cantar. Eu estava hipnotizado por aquela melodia.

Quando cheguei na sala, percebi que a música saia de um pequeno rádio sobre a mesa. Metade das luzes da sala estavam apagadas, todas as janelas estavam fechadas e Agnes estava sentada em cima da mesa, com as pernas cruzadas, enquanto folheava um livro infantil. Parecia uma menina travessa sentada sobre a mesa da professora fazendo algo errado. Mas estava linda assim. Aquele vestido podia deixá-la parecendo uma menina, mas pra quem reparasse bem poderia ver a mulher que o esculpia. Seus cabelos ruivos encaracolados de uma forma volumosa e charmosa. E mesmo de longe eu podia sentir seu cheiro de margaridas.

Poderia ter ficado naquela posição, a observando da porta durante horas. Mas meu movimento sobre as tábuas de madeira me delatou e ela percebeu minha presença. E nesse momento, ela abriu aquele sorriso. Aquele sorriso que eu pagaria todo o dinheiro que eu tenho só para ver ele sair de seus lábios. Aquele sorriso charmoso e delicado que só Agnes tinha.

-Ah, o senhor está aí! - Ela fechou o livro, colocou sobre a mesa, se inclinou para abaixar um pouco o volume do rádio e se levantou. - Fico feliz que tenha tido tempo para a nossa reunião. Fiquei preocupada que não pudesse aparecer.

Me aproximei melhor dela. Com apenas alguns passos eu já estava de frente para aquele corpo delicado e esbelto ao mesmo tempo.

- Ora Agnes, achei que já tivéssemos combinado que você não me chamaria mais de senhor. Faz me sentir muito mais velho do que você e detestaria me sentir assim. E, bom, eu já havia combinado com você que eu apareceria. Cumpro sempre com a minha palavra. E não poderia perder essa reunião.

E detesto mesmo. Eu tenho apenas 10 anos a mais do que aquela menina-mulher. Não sou um senhor! Nem ao menos tenho idade para ser pai dela.

-Me desculpe, Átila. É a força do hábito. É o costume de tratar assim os pais dos meus alunos.

- Então lembre-se que eu não tenho filhos. Sou apenas um tio fazendo um favor a sua única irmã, cuidando de seu filho.

- Sim, o Leo. É uma criança incrível aquele garoto. Muito inteligente para a idade dele. É bom em matemática e português. Além disso, tem facilidade para decorar detalhes, o que faz dele um bom estudante de história e geografia também. É um menino de ouro. Educado, quieto e responsável. É o filho que toda mãe gostaria de ter. E além de tudo isso, faz desenhos lindos, ele tem uma facilidade para a arte que seria muito interessante em ser explorada.

- Eu não quero me gabar, mas sabe, ele é meu sobrinho!

Agnes achou graça do meu comentário e soltou uma risada entrecortada tão gostosa. Tímida e sincera ao mesmo tempo. Como essa mulher é perfeita. Ela caminhou para detrás de sua mesa e pegou uma pasta.

- E tem realmente motivos para se orgulhar, sen.... Átila. Leo é um garoto espetacular. E é por isso que eu gostaria que você visse esses trabalhos.

Agnes me entregou aquela pasta. A abri e dei uma olhada no que tinha ali dentro. Era desenhos. Desenhos feitos em cartolinas de tamanhos variados. Coloridos com lápis de cor, giz de cera e alguns com tinta a prova de água. Era desenhos feitos por crianças, isso era inegável. Mas foram feitos por uma criança com muito taleto. Era os desenhos mais lindos que eu já vi. Paisagens tão bem detalhadas e demonstradas com poucos recursos mas de uma forma original e bem próxima da realidade. Nem eu poderia fazer desenhos com aqueles jogos de cores.

- De quem são esses desenhos?

- Do seu sobrinho.

- Nossa, eu não sabia que o garoto era tão talentoso....

- Mas ele é. E é por isso que eu gostaria da sua permissão para inscrevê-lo no concurso de pintura que haverá daqui a duas semanas.

- Concurso de pintura?

- Sim. Pintura. A criança se inscreve, recebe uma carta do concurso explicando detalhes dos desenhos que podem ser aproveitados. Então a criança faz um desenho de acordo com o apresentado na carta e envia de volta. Uma semana depois, os promotores do concurso elegem o primeiro, segundo e terceiro lugar. E cada um ganha um prêmio bem legal. Seria muito bom para o Leo se ele participasse. Além de promover uma boa experiência para ele, ele tem a chance de ingressar em sua futura carreira. Quem sabe esse não é o destino dele ?

- A ideia é ótima. E pelo que vejo desses desenhos, o garoto se sairá muito bem no concurso.

- Ótimo, que bom que concorda Átila. - mais papéis surgiram na minha frente vindos da mesa de Agnes. - Aqui estão os papéis da inscrição. O senhor poderia preenche-los ?

- Claro. Vou levá-los comigo e volto pra entregar pessoalmente pra você amanhã.

- Não precisa se incomodar, pode entregar para seu sobrinho que os recebo durante a aula.

- O que é isso Agnes, está me evitando?

- Claro que não Átila. É que eu sei que você é um homem muito ocupado. Não quero lhe causar incomodo. Não quero atrapalhar a sua rotina. Apenas isso.

Cheguei mais perto dela, não gostava daquela mesa entre a gente, eu queria o máximo de proximidade possível dela. Queria sentir o seu cheiro inebriante de margaridas, ouvir sua voz doce ainda mais próxima a mim e olhar bem fundo daqueles olhos verdes... Mas eles estavam castanhos! Eu jurava que os olhos de Agnes eram verdes. O que há com aqueles olhos? Como eles conseguem mudar de cor ?

- Seus olhos estão castanhos! - eu tinha um monte de outras coisas pra falar para ela naquele momento, mas a única frase que saiu da minha boca foi "Seus olhos estão castanhos", que coisa mais idiota de se dizer.

- Eu sei, é a cor natural dos meus olhos. São castanhos desde que nasci. - Agnes respondeu com uma simplicidade. Como se estivesse explicando a uma criança algo tão óbvio.

- Mas eu tenho certeza de já tê-los vistos verdes. Como isso é possível ?

- Eu não sei Átila, meus olhos são castanhos desde sempre....

Ela parecia na defensiva. Como se o questionamento sobre a cor dos seus olhos a incomodasse. Mas e daí qual eram a cor dos olhos dela? Agnes era linda de qualquer forma. E ela seria minha em breve.

- Então eu aparecerei aqui amanhã com esses documentos assinados. Quero poder vê-la novamente, Agnes.... Já está de saída da escola?

- Sim, estou sim. Estava só o esperando para entregar os papéis. Vou fechar a escola e ir pra casa. - Ela começou a arrumar as suas coisas. Fechar janelas, gavetas, arrumar a sua bolsa, desligar o rádio e pegar as chaves.

- Quer uma carona?

Eu não conseguia para de olhar para aquela mulher por um segundo sequer. Estou tão hipnotizado por essa menina. Como pode? E fiquei tão pouco tempo com ela. Preciso de mais. Preciso me embriagar com a sua presença. Foi esse o motivo da carona. Preciso saber mais sobre sua vida. Preciso ter mais de Agnes para mim.

- Não precisa. Eu não moro muito longe....

- Não me dispense uma segunda vez na mesma noite, me deixe levá-la até em casa.

-Bom, se você insiste. Eu fico grata pela carona.

Depois que ela entrou no meu carro, eu não pude mais me conter.


AgnesOnde histórias criam vida. Descubra agora