Emilia
O meu grito ecoou pelas paredes do lugar vazio e pelo corredor, fazendo doer até os meus próprios ouvidos. O animal se assustou e se escondeu e agora eu me sinto menos segura ainda, não sabendo onde ele está. Quero correr, mas o que eu faria depois? Para onde iria? Ele teria mais tempo para se esconder.
Talvez tenha entrado em uma das caixas de roupas e esteja roendo minhas minissaias. Ou talvez esteja abrigado entre minhas telas, o que seria ligeiramente pior que roupas furadas. Será que ele está me observando neste momento? Ele pode ter tido filhotes e dormiriam comigo em minha cama. Essa hipótese me fez grunhir.
- O que está acontecendo aqui? - Me virei assustada com a voz que evadiu meu apartamento.
- Tem um rato. Em algum lugar aqui dentro, tem um rato. Ou vários deles! - Expliquei ao homem que estava parado na porta de entrada. - Podem estar comendo meus quadros!
- Chame um dedetizador, ora. - Ele respondeu, sereno.
- Acha que viriam agora? São quase onze horas...
- Então taque um veneno, ou algo assim. E vá dormir depois. Não aguento mais seus barulhos. - Ele retrucou. Foi só então que realmente o percebi. Não sei quem é este homem, mas agora que o vejo... Meu Deus.
Ele é absolutamente magnífico. Cada detalhe seu parece esculpido à perfeição, como se tivesse sido desenhado por um artista divino. Seus olhos negros, profundos e misteriosos, carregam uma intensidade que me hipnotiza, e seus cabelos escuros, que caem de forma desordenada, só fazem aumentar sua aura enigmática. A pele clara, pontilhada com sardas sutis, é o contraste perfeito para seus lábios grossos, que me fazem imaginar como seria capturá-los em uma tela. E aquele nariz... grande, mas de uma forma que completa perfeitamente o conjunto. Eu estou completamente fascinada, absorvendo cada traço como se ele fosse uma obra-prima viva.
- Quem é você? - Perguntei, ainda tentando entender como alguém pode ser tão belo.
- Moro no apartamento em frente e escuto sua cantoria há três dias.
Ele diz isso sério, então não parece ser piada. Fiquei realmente focada na mudança, não me lembro de ter o visto sequer uma vez nestes três dias. Mas pelo que parece, ele me conhece. Ou quase isso.
- Bom, vizinho, sinto muito se minhas apresentações particulares te incomodaram. Quanto aos barulhos da mudança, não tem o que eu possa fazer por enquanto.
- Tem três dias que está desempacotando e ainda têm tantas caixas?
- Tenho muitas coisas.
- Espero que tenha uma gaiola e um queijo entre suas "coisas". Não grite após as 18h, boa noite. - Ele disse, descruzando os braços com um movimento lento e controlado antes de se virar para o outro lado.
- Posso gritar antes disso, então? - Perguntei, levantando a voz com uma provocação que pendia no ar, esperando uma resposta.
Ele apenas se virou de volta, lançando-me um olhar quase ameaçador, que fez meu coração acelerar. Aquele olhar, carregado de uma intensidade silenciosa, o deixava ainda mais irresistível. Ele deveria andar assim. Viver assim. A ideia de capturar essa expressão numa de minhas telas me faz vibrar por dentro. Ele poderia querer posar para uma de minhas pinturas? Aposto que não, muitas pessoas devem incomodá-lo com pedidos desse tipo.
- Ei, vizinho. - O chamei antes que entrasse em seu apartamento. - Você por acaso não consegue me ajudar? Com o rato. - Era minha única opção, de um jeito ou de outro. Poder observar seus traços seria apenas um bônus.
Porém, ele só entrou de volta do lugar de que saiu, me ignorando. Eu suspirei, pensando no que eu faria e como eu me protegeria durante a noite, para que eu possa chamar um especialista em pragas na manhã seguinte.
Enquanto eu retirava o resto dos meus materiais de pintura de uma caixa com cautela, cuidando para não danificar nada, meu vizinho surgiu novamente no corredor. Desta vez, ele segurava uma ratoeira e um pedaço de pão, o que me fez parar o que estava fazendo.
- Talvez isto te ajude. Coloque perto de onde o viu da última vez e, pela manhã, chame um dedetizador para eliminar quaisquer outros que vivem nesse apartamento velho. - Ele disse, estendendo os objetos na minha direção.
- Não é velho. Tem a mesma idade do seu. - Respondi, pegando a ratoeira e o pão das mãos dele. Quando nossas mãos se tocaram, senti a frieza da sua pele, um contraste chocante que enviou uma onda de eletricidade pelos meus braços. Meus olhos, quase por reflexo, buscaram os dele, e por um momento, o mundo pareceu se aquietar.
- O seu estava desocupado há muito tempo, estava caindo aos pedaços. Pelo jeito, você arrumou algumas coisas. - Ele desviou o olhar do meu e enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans, apontando com a cabeça para trás de mim.
- Sou artista, posso arrumar qualquer coisa com as minhas mãos. - Brinquei, tentando trazer um pouco de leveza.
- Menos ratos, pelo jeito. - Ele respondeu, com um meio sorriso que mal chegou aos lábios.
Gemi em frustração, sentindo o peso daquela situação. - Essas pragas! - Exclamei, chutando o batente da porta com uma força que fez ecoar um som oco pelo corredor. - Obrigada por isso. Vou dormir mais tranquila agora.
Mas, na verdade, eu mal conseguia tirar os olhos dele. Cada detalhe do seu rosto parecia implorar para ser capturado em uma tela, suas expressões tão sutis, quase imperceptíveis, me provocavam uma urgência criativa que eu não podia ignorar. Estranhamente, ele não desviava o olhar, mantendo aquele contato direto e imperturbável.
- De nada. Espero não ouvir mais nenhum grito vindo daqui.
- Vou tentar. Às vezes fica difícil me controlar, se você me entende. - Pisquei para ele, deixando um sorriso malicioso brincar em meus lábios. Mas ele não reagiu como eu esperava; seus olhos apenas se abaixaram para o chão, e ele balançou a cabeça em uma concordância silenciosa. - Boa noite, vizinho.
Ele apenas balançou a cabeça novamente, retirando as mãos dos bolsos antes de se virar e caminhar em direção à sua porta com passos tranquilos e decididos.
- Qual o seu nome? - Ele perguntou de repente, virando-se ligeiramente antes de entrar.
- Emilia. E o seu?
- Dean Steele. - Ele respondeu, o nome pairando no ar por um instante, antes de desaparecer atrás da porta que ele fechou sem pressa.
Assim que fechei a porta de entrada, um suspiro de alívio escapou dos meus lábios enquanto armava a ratoeira com um misto de receio e determinação. Com a mente ainda fervilhando com a imagem do meu vizinho, apressei-me para tomar um banho rápido. A água quente escorria sobre mim, ajudando a aliviar o nervosismo e a preparar minha mente para o que estava por vir.
Após me secar e vestir algo confortável, sentei-me em frente a uma tela em branco, que parecia ansiosa por ser preenchida. Mas, à medida que começava a trabalhar, uma frustração crescente tomou conta de mim. As linhas e contornos do rosto de Dean, que haviam me fascinado tanto, estavam se esvanecendo na minha memória. Tentei capturar a forma de seu nariz, a intensidade dos seus olhos, a curvatura dos seus lábios, mas tudo parecia fugir de minha mente como areia entre os dedos.
Com um suspiro derrotado, empurrei a tela para longe e passei as mãos pelos cabelos, irritada. Minhas pinturas, que exploravam o profundo vínculo entre o desejo e a expressão artística, exigiam uma precisão e um sentimento genuíno. Eu precisava do seu rosto, das suas expressões, para que o quadro transmitisse a mesma profundidade que eu via nele.
Eu sabia que precisava encontrar mais momentos com ele, observar e capturar cada nuance para criar a obra-prima perfeita. Sem isso, a tela em branco diante de mim continuaria a ser um desafio impossível de superar. Determinada, eu murmurei para mim mesma: "Preciso encontrá-lo de novo. Só assim conseguirei fazer o quadro perfeito.".
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꧁Wings Of Art꧂
Romance꧁༒☬𝓔𝓶𝓲𝓵𝓲𝓪 𝓜𝓸𝓻𝓮𝓽𝓽𝓲, 𝓾𝓶𝓪 𝓪𝓻𝓽𝓲𝓼𝓽𝓪 𝓲𝓽𝓪𝓵𝓲𝓪𝓷𝓪 𝓺𝓾𝓮 𝓼𝓮 𝓶𝓾𝓭𝓪 𝓹𝓪𝓻𝓪 𝓸𝓼 𝓔𝓤𝓐 𝓮𝓶 𝓫𝓾𝓼𝓬𝓪 𝓭𝓮 𝓷𝓸𝓿𝓪𝓼 𝓸𝓹𝓸𝓻𝓽𝓾𝓷𝓲𝓭𝓪𝓭𝓮𝓼, 𝓿ê 𝓼𝓾𝓪𝓼 𝓹𝓲𝓷𝓽𝓾𝓻𝓪𝓼 𝓼𝓸𝓫𝓻𝓮 𝓼𝓮𝔁𝓸 𝓮 𝓪𝓶𝓸𝓻 𝓬𝓸𝓶𝓸 𝓾𝓶�...