"Uma vez eu encontrei o meu caminho
Mas agora estou perdida"
-Lana dela Rey
Eu olhei para o espelho embaçado do banheiro, observei meus longos cabelos cacheados e escuros,meu corpo magro, minha pele parda,eu não me reconhecia. Me sentia deslocada, não pertencia a lugar algum.Pensei que poderia ser bom mudar um pouco de visual,na verdade eu não pensei,foi apenas um ato impulsivo.Peguei a tesoura fria e afiada que repousava sobre a pia,Sabia que a minha mãe sempre foi rígida quanto ao comprimento do meu cabelo. "Uma jovem decente não corta os cabelos curtos", ela costumava dizer, eu odiava essa forma de pensar dela. Eu estava cansada de seguir regras idiotas que não faziam sentido algum. A pandemia havia tornado tudo ainda mais difícil. Antes, eu já me sentia solitária, sem amigos para compartilhar meus pensamentos. Agora, com o mundo trancado em suas casas, a solidão era quase palpável.
Peguei a tesoura com determinação. Meus dedos tremiam, mas eu ignorei a sensação. O primeiro corte foi rápido,mas para mim não foi o suficiente então mais Mechas de cabelo caíram no chão, Continuei, cortando mais e mais, até que meus cachos se transformaram em um corte curto, quase masculino, que roçava meu pescoço.
Enquanto olhava para o reflexo no espelho, senti uma mistura de medo e empolgação, mas ainda não tinha sido suficiente então resolvi fazer uma franja. Meu cabelo ficou tão curto que eu nem se quer conseguia fazer um coque.
Resolvi passar chapinha no cabelo, Postei uma foto nas redes sociais, ansiosa para compartilhar meu novo visual. Eu adorava receber elogios.
Mudar de estilo era algo constante em minha vida. Colocava piercings,experimentava roupas diferentes. Eu tentava ser alguém que não era, porque, no fundo, só queria fugir de mim mesma.O vazio habitava dentro de mim como um buraco negro, sugando qualquer esperança ou alegria que eu pudesse encontrar.Naquela noite, Elise me chamou para sair. Ela era a única amiga que eu tinha, a conheci na igreja,ela foi alguém que chamou a minha atenção assim que a vi subindo as escadas gargalhando por algum motivo que eu não faço ideia. Ela tinha os cabelos cacheados assim como o meu,olhos castanhos, era magra e tinha quase o meu tamanho,apenas alguns centímetros mais alta. Elise que puxou assunto comigo, nos demos muito bem, tínhamos muito em comum, havíamos estudado na mesma escola durante o ensino fundamental, porém em salas diferentes,afinal Elise era um ano mais nova.
Na noite que eu e Elise planejamos sair,eu não podia sair de casa, então esperei até que minha mãe e meu padrasto dormissem. Fugi pela janela, e Elise estava lá fora, nos abraçamos, estávamos felizes tentamos conter os ânimos para não gritar de felicidade. Fomos até a festa que estava tendo na cidade, a essa altura já era permitido, porém ,com uma certa quantidade de pessoas, era preciso apresentar a carteira de vacinação e sempre era deixado claro os métodos de higienização e uso de máscaras .Dançamos até nossos pés doerem, rimos como adolescentes descontroladas. O sereno caía sobre nossos ombros, mas não nos importávamos. Perdemos a noção do tempo, o sol já estava nascendo,fiquei desesperada.Elise desapareceu em meio à multidão, e eu a procurei freneticamente. Liguei para ela várias vezes, mas ela não atendia. Eu estava no banheiro,estava totalmente vazio, da mesma forma que eu estava me sentindo naquele momento.Abri a minha bolsa, paguei a lâmina que estava embrulhada em um pedaço de papel. O corte no meu braço foi rápido, como um grito silencioso. Sangue escorreu, e por alguns segundos, o vazio desesperador se dissipou.
A maquiagem estava totalmente borrada por conta das minhas lágrimas, mas não dei tanta importância. Decidi voltar para casa, já que não estava encontrando Elise naquela festa que parecia nunca ter fim. As luzes coloridas piscavam, e a música alta ecoava por todos os cantos.