III - Coelho

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ㅤㅤㅤㅤDeslizo a lamina da Estigma para dentro da bainha em minha cintura. O som de metal sibilando.

ㅤㅤㅤㅤ— Sei que não vou te convencer, mas quero que saiba que não precisamos lutar. Essa batalha nem mesmo é sua.

ㅤㅤㅤㅤCoelho se posiciona. O punho ainda sangrando onde arranquei sua mão. Ele tem apenas uma adaga, a arma padrão dos Soldados Brancos. Que empunha com seus dedos restantes.

ㅤㅤㅤㅤ— É fácil para você dizer isso coberta de sangue inocente? — sua voz deixa bem claro que não irei mesmo convence-lo. — Para ser sincero não estou mais interessado no problema das Raposas. Agora eu só quero ver vocês sangrarem.

ㅤㅤㅤㅤEle avança, mas nós dois sabemos que isso não é um duelo. O desafio para mim é mínimo, o risco é inexistente. Seu primeiro ataque é preciso na direção do meu pescoço, mas eu o desarmo com um golpe simples no pulso.

ㅤㅤㅤㅤVou tomar mais cuidado agora. Não quero matá-lo. Preciso acabar com isso rápido.

ㅤㅤㅤㅤMesmo assim o meu golpe mais fraco ainda é mais forte do que um corpo meramente humano pode aguentar e quebro os ossos do seu antebraço sem querer.

ㅤㅤㅤㅤA adaga cai no chão, um rosnado de dor e raiva escapa por debaixo da mascara de tecidos que cobrem o rosto do Soldado Branco. Deslizo o pé sobre o barro, me inclinando, planejando agarra-lo pelo pescoço. Apenas um dedo no ponto correto e o Coelho irá desmaiar e a luta terá acabado. Mas ele antecipa meu movimento, consegue desviar e atira um punhado de barro de neve e sangue em meus olhos.

ㅤㅤㅤㅤMas é inútil.

ㅤㅤㅤㅤTenho outros sentidos para me guiar, tudo nas Raposas é superior ao de qualquer outro ser vivo. Por isso sei que ele está emendando um novo ataque, um chute, que acerta o centro da minha barriga, com um impacto fraco demais para me abalar.

ㅤㅤㅤㅤ— Lute, Alteza. Vivi como um soldado, me permita morrer como um. É o mínimo que você pode fazer.

ㅤㅤㅤㅤÉ possível sentir na pele o ódio que exala das suas palavras. Vejo sua silhueta logo a minha frente, turva por causa da lama vermelha que mancha minha visão.

ㅤㅤㅤㅤ— Você é um homem bom, Coelho. Não quero matá-lo.

ㅤㅤㅤㅤ— Seria só mais uma morte no meio de tantas outras. Você sequer lembraria.

ㅤㅤㅤㅤEle está perdendo as forças por causa do sangramento. Seus golpes estão ficando mais lentos. Mesmo sem enxergar consigo desviar dos cortes de adaga com muita facilidade e como Coelho é muito maior do que eu, consigo usar isso ao meu favor. Seguro seu pulso e tombo o corpo pesado por cima das minhas costas, faço com que caia em uma posição fácil de imobiliza-lo.

ㅤㅤㅤㅤJá venci.

ㅤㅤㅤㅤEle se debate, tenta me atacar até com os dentes. Alimentado por um sentimento irracional. E eu o entendo. Entendo o seu ódio. Entendo o motivo para direciona-lo à mim. E quando penso nisso uma cor vem à minha mente. A mesma cor que está espalhada pela floresta de carne, a mesma cor que escorre com o sangue.

ㅤㅤㅤㅤVermelho.

ㅤㅤㅤㅤ— A guerra tinha acabado para nós, isso não é justo — Coelho rosna. — E todos os que sobreviveram ao campo de batalha agora vão morrer.

ㅤㅤㅤㅤNão é culpa minha, penso em dizer. Mas sei que não teria nenhum efeito. Fecho o punho e o golpeio na parte detrás da cabeça, fazendo Coelho apagar.

ㅤㅤㅤㅤ— Me desculpe.

ㅤㅤㅤㅤMinha voz é baixa, cansada. Um suspiro. Carregada por todas as lagrimas que derramei desde que fugi de casa. Por cada gota de sangue.

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