Capítulo 1

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Se alguém me dissesse que Miranda Priestly passou a me tratar com gentileza, eu definitivamente não acreditaria. Ainda sinto arrepios percorrerem a minha espinha quando me lembro do fatídico momento em que a rainha de gelo deixou claro em uma sala com dezenas de pessoas - seus escudeiros fieis - o quão analfabeta sobre o mundo da moda eu era. Quase dois anos se passaram e ainda não sou capaz de usar qualquer peça na cor azul cerúleo sem sentir náuseas.

Aquela Miranda parece ter dado lugar para uma outra que eu ainda sou incapaz de compreender. Não diria que ela tenha se tornado gentil, longe disso, ela se mantém tão séria e exigente quanto a Miranda que me contratou há mais de um ano atrás, porém, algo definitivamente mudou. Os pedidos mirabolantes e quase impossíveis continuam a fazer parte da minha rotina como sua assistente, porém, agora Miranda não se irrita, nem mesmo pressiona os lábios ou me lança um dos seus olhares perversos caso um imprevisto tenha aparecido no meu caminho e tenha atrasado a entrega do seu Starbucks fervendo.

Algo completamente inusitado - para além da sua paciência, que eu sequer sabia da existência - aconteceu: a editora chefe passou a me agradecer pelas tarefas que eu finalizava. A primeira vez que ouvi um "obrigada" saindo dos lábios de Miranda precisei piscar algumas vezes e perguntar como uma completa idiota: "Como é que é?". Miranda me olhou confusa, seus olhos azuis me desafiaram a refazer a pergunta, engoli em seco e falei baixinho "não há de quê" e saí o mais rápido possível do seu campo de visão.

Sentada na minha mesa e com a respiração um tanto ofegante, refiz a cena de Miranda me dizendo um simples "obrigada" e me vi obrigada a assumir para mim mesma o óbvio: eu me sentia atraída pela minha chefe. O que eu não sabia era se atração existe desde momento em que Miranda passou a me tratar com o mínimo de delicadeza ou se o sentimento estava sendo nutrido há muito mais tempo.

"Ok, Andy, deixa de ser maluca e se concentra no seu trabalho!" - disse a mim mesma em voz alta enquanto pegava o mouse e retomava a minha atenção à tela do computador na minha frente. Pela primeira vez fiquei agradecida pela ausência de Emily, que com certeza me encheria de perguntas dado o meu estado estranho de humor. Minha amiga (pois é, quem diria) fazia falta naquele caos que era trabalhar para Miranda, mas eu estava feliz por ela: Emily finalmente conseguiu a vaga no departamento de moda e criação e estava sendo o braço direito de Nigel.

Eu estava concentrada em uma planilha de planejamento dos próximos eventos que Miranda estaria presente, quando fui surpreendida pela presença da própria na frente da minha mesa. Imediatamente levei a mão ao meu peito e senti meus olhos aumentarem de tamanho. A mulher mais velha mantinha uma expressão calma no rosto, quase como se estivesse se divertindo com a minha reação. Torcendo para que a minha voz não estivesse trêmula, perguntei:

"Posso te ajudar em algo, Miranda?" - felizmente pude falar sem transparecer surpresa e talvez um pouco de ... medo. A editora chefe me causava diversos sentimentos, e definitivamente medo era um deles.

"Porque você ainda está aqui?" - me perguntou Miranda com seu tom de costume: vazio e ao mesmo tempo carregado de um poder que só alguém como ela poderia ter. Fiquei confusa com o seu questionamento e só quando ela olhou para o próprio pulso, percebi o que ela queria dizer. - "Já são quase 10 da noite."

"Oh, eu-" - pisquei algumas vezes tentando organizar meus pensamentos. Por Deus, porque eu estava tão nervosa? - "Acabei me distraindo."

Miranda pendeu a cabeça levemente para o lado direito, e me lançou um olhar pensativo, o que só serviu para me deixar ainda mais tensa.

"Você é jovem demais para se distrair com trabalho, Andrea." - Miranda suspirou, revirou os olhos e balançou a cabeça rapidamente - "Vá para casa. Está tarde demais."

Unexpected TurnsOnde histórias criam vida. Descubra agora