A vantagem de ser modelo de um dos meus desenhos é não precisar permanecer imóvel enquanto eu tento observar suas feições, as curvas do seu rosto e as emoções nos seus olhos para poder captura-las e coloca-las no papel. Tenho um modo mais simples de resolver essa questão: eu paro o tempo.Isso mesmo. Uma vantagem que, até onde sei, sou a única a ter. Nunca conheci nenhuma outra pessoa com o mesmo talento que eu (não o de desenhar, mas o de congelar o tempo). Até porque, não é o exatamente o tipo de assunto que aparece naturalmente em uma conversa.
E é graças a essa habilidade que eu não pareço uma stalker enquanto observo o garoto sentado em um banco no meio do gramado do campus da universidade.
É um lindo dia de sol, e assim que terminei meu turno na lanchonete onde trabalho, também parte do campus da Universidade Federal na cidade de Umbroso, decidi passar o resto da minha tarde desenhando.
O garoto em questão parece completamente relaxado na própria pele. Com os braços esticados aos seu lados, no encosto do banco, a perna cruzada com o calcanhar sobre o joelho, a cabeça levemente inclinada pra trás e os olhos fechados, como se ele quisesse absorver toda a vitamina D que o sol das três horas da tarde lança sob sua feição. Eu decidi que precisava parar o tempo no momento em que meus olhos o encontraram.
Não por acha-lo atraente ou porque meu coração palpitou e qualquer besteira romântica do tipo. Como uma desenhista, eu sei apreciar um bom modelo. E como eu adoro desenhar rostos e as emoções neles, concluo que esse garoto de cabelo loiro bagunçado e semblante sereno será minha escolha nessa tarde. Com o tempo ao meu controle, eu não preciso me preocupar com o sol se pondo ou a luz indo embora: tudo fica exatamente no mesmo lugar. Embora eu não possa fazer isso por períodos muito longos.
A última vez em que tentei faze-lo, cerca de três dias com o tempo paralisado, as coisas não acabaram muito bem. Percebi que as pessoas ao meu redor pareciam desorientadas, confusas, como se tivessem acordado de um logo cochilo no meio da tarde e não soubessem que horas, dia, ou ano estavam. Na época, como uma criança de 11 anos, eu não pensei que minhas ações teriam consequências; e eu estava um pouco ocupada chorando pela morte da minha mãe e o fato de que, a partir daquele momento, eu seria uma órfã, sem nenhuma família próxima e sem ter ideia de para onde eu seria levada ou quem tomaria conta de mim.
Mas essa história triste da pequena Ramona órfã já não tem mais espaço na minha vida. Minha habilidade de parar o tempo, algo que talvez pareça incrível e capaz de mudar vidas inteiras, se tornou apenas parte de mim. Tão natural quanto respirar, ou desenhar. Sim, eu consigo parar o tempo esporadicamente e facilitar alguns aspectos da minha vida, mas mudanças muitos significativas nunca foram possíveis – e, se eu for honesta, eu nunca insisti muito nisso.
Assaltar um banco? Boa sorte! Não é só sobre parar o tempo e entrar no cofre. Precisei de dias estudando a rotina do banco, o horário em que o cofre era aberto. E o pior veio depois. Lavar dinheiro. Eu sei que os milionários fazem parecer simples, mas só é fácil quando você já tem o dinheiro de fachada para encobrir o seu crime. A pessoa pobre, nesse país, não tem acesso ao crime com tanta facilidade quanto os ricos. Todos os privilégios são deles.
Mas eu estou devaneando.
A única coisa que deve ocupar minha mente agora é o garoto do banco. Noto que uma mochila está jogada ao seu lado, e imagino que ele acabou de sair de alguma aula e agora está respirando aliviado, feliz por mais um dia de estudos que se encerra. Nenhuma outra preocupação no mundo. Apesar de a universidade ser pública e gratuita, eu sei que a maioria dos estudantes aqui vem de famílias ricas e pais que puderam pagar cursinhos durante o ensino médio inteiro (e, vamos combinar, eles provavelmente ganharam um carro de presente quando passaram no vestibular); apesar de eu não conhecer esse garoto em particular e, na maior parte do tempo, não gostar de julgar as pessoas pela aparência, ele claramente vem de uma dessas famílias que eu acabei de citar.
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Nas sombras do tempo
ParanormalRamona tem o poder de congelar o tempo. O que, na realidade, não é tão divertido quanto parece. Ela usa esses poderes para funções do dia-a-dia, mas sua função favorita é parar o tempo para poder desenhar pessoas cujas feições chamam sua atenção. At...